Opinião

O sector aeroespacial nacional tem novas oportunidades e desafios

O sector aeroespacial nacional tem novas oportunidades e desafios

Gustavo Dias

Professor da Escola de Engenharia da Universidade do Minho

Os desafios intrinsecamente globais e a complexidade tecnológica do sector aeroespacial desafiam a Indústria e a Academia, estabelecendo uma oportunidade de criação de valor e emprego qualificado que não pode ser desvalorizada

Os últimos anos marcam um passo muito rápido na evolução e recuperação do setor aeroespacial global. Um alinhamento virtuoso entre maior colaboração internacional, investimento público e privado e avanços tecnológicos tem impactado a forma como acedemos ao Espaço, como realizamos missões e como operamos a observação da terra e as comunicações.

A primeira consequência prende-se com o acesso ao espaço e a redução consistente dos seus custos. Empresas como a SpaceX, Blue Origin e Rocket Lab, entre outras, têm desempenhado um papel fundamental, introduzindo novos conceitos como a reutilização no desenvolvimento de lançadores, a par de tecnologias digitais de projeto e fabrico sem precedentes. A redução do custo de acesso ao Espaço é um dos potenciais vetores de desenvolvimento da dinâmica de criação de novas oportunidades de negócio e um fator com crescente importância geoestratégica. Ter acesso limitado à orbita terrestre é ter acesso limitado a um dos elementos de crescimento económico futuro, numa economia que será mais digital, ainda mais conectada e em que a informação que nos chega a partir do Espaço terá um papel determinante no dia a dia.

Outra dimensão emerge do nosso imaginário e retorna o interesse nas missões de exploração espacial, muito presentes no último terço do século XX. O retorno à Lua, corporizado pelo programa ARTEMIS, que é liderado pela NASA, com colaboração da Agência Especial Europeia (ESA) no desenvolvimento da cápsula ORION, que fará o voo entre a Terra e a Orbita Lunar, tem como um dos objetivos importantes o estabelecimento de uma base permanente na Lua. Outros países, como a China e Índia, têm realizado recentemente missões científicas à Lua e também a Marte, como o caso da missão espacial chinesa Tianwen-1, que obteve imagens que permitiram criar um mapa completo do planeta. Marte tem estado em foco, também, na missão conjunta NASA e ESA, Mars Sample Return, com participação relevante de empresas e institutos portugueses na engenharia e prototipagem do modulo de reentrada terrestre.

A dimensão mais prática da evolução recente do setor aeroespacial é a disrupção no desenvolvimento de satélites que operam em órbita terrestre baixa (LEO). A sinergia entre a evolução da tecnologia e o acesso ao Espaço tem permitido o lançamento de constelações de satélites, que realizarão uma alteração significativa na forma como operamos e gerimos a conectividade global de banda larga, permitindo levar a internet a áreas remotas do globo e proporcionando uma verdadeira cobertura global.

Além das tecnologias de comunicação, a possibilidade de lançamento de constelações de constelações potencia um mapeamento mais preciso da Terra, com aplicações na monitorização do clima, dos recursos naturais e da mobilidade humana, na previsão e gestão de desastres naturais e no planeamento da agricultura e da ocupação do território. Os programas de observação podem também ser coordenados com a recolha de dados científicos da atmosfera, aprofundando o seu conhecimento e criando uma plataforma tecnológica que permita melhores soluções de acesso e exploração económica do Espaço.

A maior facilidade de acesso ao Espaço e a previsão de um número elevado de lançamentos futuros e consequente aumento de objetos em órbita têm intensificado as preocupações sobre a sobrepopulação de objetos e detritos e dos riscos inerentes. Soluções tecnológicas para a mitigação destes riscos, quer por via de uma navegação orbital mais inteligente, quer pela recolha em órbita de objetos, estão em desenvolvimento com intervenção muito relevante de empresas portuguesas. Estas tecnologias, combinadas com estratégias de colocação e retirada de órbita de novos objetos, terão impacto na exploração económica dos resultados obtidos e na atividade seguradora associada, que necessita que a avaliação de risco seja compaginável com os mecanismos da sua atividade, para que a trajetória de redução global de custos de acesso ao Espaço não seja alterada.

Os desafios de sustentabilidade do setor aeroespacial são significativos, em particular os associados ao transporte aéreo nas suas mais diversas vertentes. Na UE, as emissões diretas da aviação representam 3,8% das emissões totais de CO2. O setor da aviação gera 13,9% das emissões de transporte, representando a segunda maior fonte de emissões após o transporte rodoviário. A aviação gera também outros impactos como os óxidos de azoto NOx e material particulado em altitude. Os números pré-pandemia apontam para uma redução próxima de 24% por década no combustível queimado por passageiro transportado. No entanto, no mesmo período, o crescimento do tráfego aéreo de passageiros aproxima-se dos 60%, criando um efeito que a tendência tecnológica atual de melhoria contínua no consumo de combustível tem dificuldade em acompanhar. Os objetivos de neutralidade climática, introduzidos pelo European Green Deal, apontam para a redução das emissões de transporte em 90% até 2050 (em comparação com os níveis de 1990).

O setor aeroespacial deverá ter um papel importante nessa redução. Várias iniciativas, com diferentes níveis de maturidade, estão em desenvolvimento ativo na indústria. No desenvolvimento de combustíveis de base sustentável, comummente denominados como SAF, que possibilitam a utilização, em larga medida, da tecnologia atual de propulsão com redução muito significativa das emissões resultantes. No desenvolvimento de novos conceitos e configurações de aeronaves, partilhando soluções de eletrificação e hibridização dos sistemas de propulsão com a maior eficiência aerodinâmica e a introdução intensiva de novos materiais e processos.

Há vários projetos em curso que tratam as questões anteriores e que têm como pano de fundo a redução de emissões sem penalizar o conforto e conveniência do transporte aéreo. Programas como o ZEROe da Airbus e o SFD em desenvolvimento pela Boeing e NASA são exemplos da introdução de novos conceitos, como a propulsão baseada em tecnologia de hidrogénio e a aerodinâmica em regime transónico, na geração de novas soluções mais sustentáveis. Adicionalmente às tecnologias dirigidas à plataforma, os elementos associados à gestão de tráfego aéreo poderão ter um papel na redução de emissões. A otimização da gestão do tráfego aéreo pode reduzir o congestionamento nos aeroportos e nos corredores aéreos, diminuindo o tempo de voo e, consequentemente, o consumo de combustível.

A diversidade de desafios, o bom desempenho da indústria nacional na última década e a perspetiva de crescimento, e os projetos estruturantes financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência associados ao setor – nomeadamente New Space Portugal, Agenda Aero.Next Portugal e AI Fights Space Debris, com um investimento total de 243,6M€ até 2025 – antecipam a necessidade de uma nova geração de perfis de engenharia aeroespacial. Os próximos anos permitirão o crescimento e a robustez do setor, em particular no acesso a capital humano altamente qualificado e na retenção de talento que a indústria necessita para tornar os investimentos em curso reprodutivos e aproveitar a nova conjuntura mundial para a afirmação de Portugal no panorama aeroespacial internacional.

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