Andrew Tate foi recentemente acusado de tráfico humano, violação e exploração sexual. Foi boxeur profissional e participou no programa Big Brother. Tem sido uma personagem altamente controversa, pois criou uma marca baseada em hipermasculinidade. É famoso pelos seus comentários misóginos, tais como que as mulheres pertencem aos homens e têm alguma culpa em serem violadas.
Até aqui, é uma afronta ao feminismo. No entanto, há um pormenor: Tate consumia pornografia e usava estas mulheres para a produzir. A pornografia é a misoginia levada ao extremo e Tate como que a encarnava.
Entre 33% (pelas estimativas mais baixas) e 90% de toda a pornografia mostra agressão ou violência de homem para mulher. 95% das mulheres que são alvo de violência respondem com neutralidade ou demonstram prazer. (Factos e estudos aqui) Isto associa a violência à relação sexual, repetida para o cérebro, e normaliza-a. Estudos neurocientíficos mostram que o consumidor fica insensibilizado, e cada vez precisa de cenas mais violentas para ter a mesma sensação de prazer. A pornografia afeta o cérebro como vícios de substâncias, prejudicando a tomada de decisões.
Onde está o feminismo? Talvez não se oiça porque em média 91,5% de homens e 60,2% de mulheres consome pornografia regularmente. É a nova droga, o novo Coliseu onde se vê pessoas a serem torturadas.
Alguns dizem que as mulheres são livres para o fazer. Quem diz isto não sabe o que significa liberdade. Liberdade é a capacidade de fazer o bem. Quem está livre para dizer sim está subentendido que estaria livre para dizer não. Uma atriz num vídeo pornográfico não está livre, da mesma maneira que um toxicodependente não está livre para recusar a droga. Está escravo da sua dependência. A maioria dos atores pornográficos foram abusados em criança, estão drogados enquanto filmam, sentem que os vão matar ou que não podem sair. Quase sempre se sentem “sujos”, “usados”, “sem valor”, que não têm para onde se virar, nem emocionalmente nem financeiramente.
No site fightthenewdrug.org há muitos testemunhos de antigos atores. Uma tinha um agente que lhe disse: sim, só faria filmes sem isto ou aquilo. Mas quanto mais avançava, mais coisas ela tinha que fazer pois só essas davam dinheiro ou era enganada. Outra conta como vários homens a violavam e ela achava que ia morrer. Iam repetir a cena até ela fingir prazer. Repetiram várias vezes. Por fim deixaram-na e ela foi para a casa de banho chorar. Quando saiu, estavam no sofá a comer a pizza que tinham encomendado e perguntaram-lhe se ela queria.
O consumidor da pornografia contribui para o tráfico humano. Como se sabe que aquela pessoa deu o seu “consentimento”? Se tem mesmo 18 anos? Se foi raptada ou enganada? Num testemunho, uma rapariga explica que ia para uma audição dum filme quando a levaram para um hotel, obrigaram-na a assinar um papel, filmaram a violação dela durante seis horas e publicaram-na com o nome.
Tate pode achar que as mulheres querem ser violadas porque de facto o cérebro dele está tão habituado a ver mulheres que aparentemente gostam de ser violadas. Tate pode achar que o modelo do homem abusador é a melhor forma de masculinidade, pois foi a que ele interiorizou. Não será o primeiro criminoso a transformar a pornografia em realidade. Ted Bundy, executado no ano 1989, admitiu ter matado 36 mulheres, e conta a sua história com pornografia da prisão.
Esta terça-feira, 4 de julho, Dia da Independência norte-americana, estreou-se um filme chamado “The Sound of Freedom”. É a história de um homem que abandona o seu trabalho para ir salvar uma menina do tráfico humano na Colômbia. É baseado em factos reais. Pretende trazer à luz este terrível flagelo dos nossos tempos.
O movimento “#metoo” é uma campanha de consciencialização contra o abuso sexual, assédio e cultura da violação, em que pessoas contam as suas histórias de abuso. Está na altura de começar um movimento “#metoo para a pornografia”. Está na altura de surgir um verdadeiro feminismo, salvar as mulheres desta escravidão moderna e dar recursos a tantos que lutam com esta “nova droga”.
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