Marine Le Pen falou o menos que pôde sobre Nahel, o rapaz de 17 anos morto pela polícia em Nanterre, e sobre as manifestações e vandalismo que se seguiram. Não foi por acaso. Falou de ordem, mas não de criminosos. Pediu ação mais eficaz, mas não exigiu o Estado de Emergência. A sua tentativa de chegar ao poder tem passado por cativar eleitores que não acreditam no sistema. Muitos deles, por estes dias, estão dos dois lados das barricadas. E precisa de ser capaz de governar um país inteiro, não apenas liderar uma fação.
Ao contrário da extrema-direita reacionária, que não hesitou em se fixar no lado securitário e em acusar a imigração de todo o mal que está a acontecer, sem dúvidas sobre a violência policial ou as políticas de integração, e da extrema-esquerda de Melénchon que não consegue, nem quer, condenar claramente a desordem porque vive da recusa do sistema, em geral, e da recusa da ordem e da autoridade em particular.
A morte de Nahel e as manifestações que se lhe seguiram dão para várias discussões. Todas elas justificadas. É impossível não ver naquele vídeo um manifesto abuso e violência policial. E no comunicado que os sindicatos da polícia emitiram, e onde falavam de guerra, uma ameaça ao próprio poder, usando linguagem incendiária. Assim como é impossível não discutir racismo e políticas sociais e, de caminho, a integração da população de origem imigrante, às vezes em segunda, terceira ou quarta geração, que faz grande parte daqueles bairros. E daquelas manifestações violentas. Da mesma maneira que é impossível olhar para o que aconteceu e não querer falar sobre quem não tem esperança. Ou sobre a polícia, quando abusa e quando é abusada. Todas estas conversas precisam de ser tidas. Mas, aos radicais de cada lado, só parte delas interessa.
Nos primeiros dias, França dividiu-se em três. Os que compreendiam e justificavam os motins, porque só viam, e só queriam ver, o racismo e a violência policial. Os que defendiam a polícia desde o primeiro momento, desde o tiro fatal, porque em caso de dúvida suspeitam sempre “dos pretos e dos árabes”, mesmo que consigam não o dizer assim. E, no meio, uma parte razoável, provavelmente maioritária, que conseguia condenar a óbvia violência policial e condenar as manifestações violentas, os incêndios de escolas, bibliotecas e carros, os assaltos a lojas de roupa e de tecnologia (não exatamente supermercados) e a desordem geral. No meio disto, Marine Le Pen preferiu o quase silêncio. Falou tarde, pouco e disse que era preciso ordem, talvez algum recolher obrigatório pontual e pouco mais. E, segundo as sondagens, ganhou votos.
A extrema-direita clássica, de Zemour, quer ser identificada com a ordem e com a recusa da imigração. A extrema-esquerda de Melénchon quer ser reconhecida pela recusa da ordem e da autoridade. Macron tem de apanhar os cacos. Todos. Os da desordem e os da fatura social. Le Pen quer agradar ao maior número possível. Aos que, de ambos os lados, duvidam do sistema. Sabe que à direita a presumem pela ordem. De resto, parte do seu partido falou como seria de esperar: contra os manifestantes, a imigração e a desordem e ela não falou contra a polícia. Mas mostrou-se chocada com a morte do rapaz.
Le Pen sabe que nos bairros sociais também tem eleitores, que a presumem pelas políticas económicas contra a globalização que lhes rouba empregos. O seu silêncio é tático. E rende votos. Le Pen está a ir da extrema-direita clássica para o extremo-paternalismo. Ao pé de Zemour e Melénchon vai parecer moderada. Ao pé de Macron, vai parecer preocupada e capaz de liderar a República. Em vez de atiçar o ódio, promete fazer o Estado chegar a todos. Uma tentação.
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