Vi pouco dissecada nos media o quão infeliz foi aquela indireta do presidente da República durante o seu discurso do 10 de junho. Se não se referia a João Galamba, tal como o próprio garantiu e ninguém na edição das televisões assim entendeu, então a frase só serviu como ruído. Já não é só a inconsequência das suas palavras que perdura. Pior: é a de alguém que demonstrou aquela que é porventura uma das características humanas menos nobres: a de gostar muito de “bater” em quem está em baixo.
Bastava um vislumbre da cara do Ministro das Infraestruturas e percebia-se que Marcelo enquanto presidente e em data tão relevante, brindava o país com uma demonstração de muito mau gosto. Aliás, fica-se se sem perceber se o prolongamento deste bullying político teve mais a ver com a provocação deixada por António Costa ao assegurar que João Galamba fosse um dos poucos membros do executivo a estar em Peso da Régua ou, simplesmente, Marcelo não consegue ultrapassar o facto de ter sido destapado na própria incompetência de ter passado demasiado tempo com a ameaça leviana e incongruente da dissolução do Parlamento.
Acresce que tudo começa a ganhar contornos de uma verdadeira confiança política do primeiro-ministro em Galamba. Sim, é possível que ao contrário de todo o vaticínio da opinião mediática, de Marcelo, de alguns socialistas e até daquilo que pensam a generalidade dos portugueses, António Costa, em linha com o que referiu logo após a recusa em aceitar a demissão, acredite mesmo que o Ministro não pode ser responsabilizado pelo que se passou naquele dia sinistro para os lados do seu ministério. Afinal de contas e das pontas soltas, não é descabido olhar para a prestação de João Galamba na CPI e concluir o mesmo.
Com o que se sabe, a tese do primeiro-ministro ao momento é tão válida como qualquer outra e também pode ganhar sustento na imagem de competência que Galamba tem entre alguns dos atores mais relevantes do setor da energia. Admirem-se se sem grandes conclusões ministeriais na CPI, o Ministro das Infraestruturas passe ao lado de uma futura remodelação executiva!
Mas a mais recente das tiradas de Marcelo na pele de comentador-presidente é com a polémica dos cartazes do primeiro-ministro como porco e de olhos cegados por uns lápis num protesto de professores, no qual o “não ofende quem quer, ofende quem pode” parece ser a nova apologia dos políticos bonecos e de plástico. Além dos resultados que se conhecem neste tipo de postura, o presidente confunde uma reação entendível, medida e relevante de António Costa com outra coisa qualquer. Acaba por aligeirar algo grave que não deve ser desvalorizado e ainda procura equiparar umas supostas t-shirts ofensivas para ele próprio, mas que mais ninguém viu.
Na última das últimas instâncias, legitimamente, o presidente não quer é ver abafados os protestos dos professores e pretende manter sob pressão um governo que depois da não demissão de Galamba, passou a assumir como adversário. A questão não é esta sua vontade. Isso, pior ou melhor, também faz parte da política e deve ser encarado de forma natural. O problema é que ao comunicar como tem comunicado, Marcelo coloca de parte o seu lado mais institucionalista, enquanto alguns dos valores que mais apregoa ficam à margem. Neste absurdo em que a vontade supera a própria essência, prejudica-se essencialmente o próprio presidente da república. Sobra o das selfies e o governo.
Aqui e ali, o silêncio vale mais ouro do que nunca para Marcelo.
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