Opinião

As Causas. Gastronomia política

O Governo PS e António Costa estão muito feridos pelas trapalhadas recentes, mas não estão mortos e – se tiverem juízo – o pesadelo primaveril pode tornar-se num sol radioso

De algum modo estamos suspensos da Comissão de Inquérito da TAP e da propensão do governo para trapalhadas.

Ou seja, estamos suspensos do que acontecer com Pedro Nuno Santos daqui a uma semana.

E enquanto esperamos pelo prato principal, saiam umas sondagens para picar.

O COZINHADO DAS SONDAGENS

As habituais sondagens, como aves de arribação, surgem com regularidade, neste caso todos os meses.

Só conheço as que aparecem nos media, mas dizem-me que as mais interessantes – talvez porque mais focadas – não são publicadas. Mas eu, pobre mortal, tenho de viver com aquilo que aí em casa também se pode conhecer.

Algumas linhas de tendência parecem óbvias:

a) O Governo PS e António Costa estão muito feridos pelas trapalhadas recentes, mas não estão mortos e – se tiverem juízo – o pesadelo primaveril pode tornar-se num sol radioso;

b) Os portugueses, em duas sondagens (Aximage e ICSTE), acham que não haverá eleições antecipadas, embora admitam que venham a ocorrer, este ano se o Inquérito TAP acabar muito mal para o Governo ou daqui a um ano se o PS perder as eleições europeias “de forma clara”;

c) Os portugueses acham (ainda?) que Luís Montenegro não levanta voo e que o PSD não é considerado uma alternativa ao PS, mesmo que na Intercampus passe a estar à frente nas intenções de voto e tenha subido de 21,1% para 24,1% num mês (voltando ao resultado de há dois meses), com o PS a cair em 2 meses de 25,2% para 22,8%.

Mas também há respostas esmagadoras dos portugueses:

a) Dois terços, segundo a Intercampus, não querem aliança do PSD com o Chega nem sequer pós-eleitoral;

b) São a favor da demissão de Galamba entre 64% e 73%, segundo a sondagem;

c) São muito a favor de uma remodelação (79% acham que se devia fazer e 69% que isso era bom para António Costa).

Creio que não exagero se disser que não são grandes surpresas. Ou seja, não houve um terramoto e ainda menos um tsunami, mas as placas tectónicas da política portuguesa estão sem dúvida a mexer.

Dois tipos de fatores podem fazer mudar as coisas:

(i) se as trapalhadas e os tiros nos pés do PS/Governo continuarem (a decisão de baixar a taxa de juros dos certificados de aforro foi um erro político, como se verá a seguir),

(ii) se Luis Montenegro tiver tempo e ganhar ânimo e ao menos aparência de convicções.

Mas Costa tem na sua mão a maneira de recuperar:

(i) Galamba para a rua,

(ii) Remodelação,

(iii) Gastar dinheiro à farta.

MONTENEGRO: SER OU NÃO SER

Tal como estão as coisas, se em eleições acontecesse o resultado das sondagens, e se existisse uma coligação pré-eleitoral do PSD com o IL e CDS, poderiam formar governo mesmo sem qualquer acordo com o Chega.

É que, segundo as sondagens, a Direita tem 46,2% e a Esquerda 36,7%. Sem integrar o Chega, a Direita tem 34,4% contra 22,4% do PS. Ou seja, o PSD pode governar em qualquer das hipóteses.

Há que reconhecer que Montenegro não se conseguiu impor a nível nacional no seu primeiro ano, talvez por ter montado uma estratégia para avançar devagar no pressuposto de uma maioria absoluta até 2026.

A principal questão é, pois, Luís Montenegro.

Ele tem um ano para mostrar o que vale. Para já, parece-me que não tem perfil heroico ou trágico, não é um líder solitário com carisma. Também nesse sentido não é um Ventura nem um Costa ou sequer um Cotrim.

Parece ser um homem capaz de uma liderança normal, se rodeado por uma equipa com protagonistas. Nisso é também o oposto de Ventura e Costa.

Se os portugueses perceberem isso e se a equipa for muito boa e bem ancorada na sociedade civil, pode acabar por ter sucesso.

No fundo, ser ou não ser eis a questão, disse Hamlet. Aqui tem a ver com ser habitado ou não iluminado pela estrela do sucesso… o que exige qualidades próprias e o favor dos astros.

CERTIFICAR MAIS ERROS

Mas que os mais entusiasmados se não iludam, pois como se prevê que evoluam as coisas no plano económico e financeiro, o PS tem tudo para poder suceder a si próprio.

Para isso o Governo não pode continuar a cometer erros inconcebíveis, o mais recente sendo o que fez com os certificados de aforro.

De facto, não faz qualquer sentido remunerar a 3,5% os certificados quando não havia inflação e a taxa de referência do BCE era inferior a 3%, para agora pagar 2,5% quando se aproxima dos 4%.

Pouco importam os motivos que sejam esgrimidos, e no ECO o António Costa jornalista deu uma pequena ajuda ao seu homónimo ao explicar a posição dos bancos e outros próximos do mundo privado também o fizeram.

Talvez tenham razão os que apoiam a decisão, mas o problema não é de razões, mas de perceções, sobretudo em tempos propícios ao populismo.

E as perceções “gritam”:

(i)foi um favor aos bancos; e

(ii)assim se ajuda a manter a remuneração dos depósitos bancários muito baixos.

Sinal disso é que do BE ao Chega, passando pelo PCP, IL e PSD, foi um coro afinado de críticas, em que o PSD tocou na ferida: esta medida afeta a classe média, a vítima habitual da ação do Governo.

O Governo deve ter pensado que a medida só prejudicava particulares ricos que não tinham sido expeditos a aproveitar a taxa de 3,5%.

Mas o Governo tem sempre soluções para este tipo de situações, como seria usar a CGD como regulador do mercado de depósitos, fazendo com que suba as taxas de imediato.

O CONTROLO EMOCIONAL DA TESTEMUNHA

Voltarei a este tema, depois da audição a Pedro Nuno Santos na Comissão de Inquérito da TAP.

A audição será interessante pois a sua presença hoje na Comissão parlamentar de Economia – que é mais ou menos um treino para a Comissão de Inquérito – demonstrou um dos seus maiores defeitos, a falta de controlo emocional.

Estava a ouvi-lo e a pensar no meu tempo como advogado em Tribunal. Adorava interrogar testemunhas com este perfil que a parte contrária tivesse trazido.

De um modo geral esse tipo de testemunhas começa bem. São fortes, convincentes, não cometem erros, têm um guião bem estudado. Mas à medida que o tempo vai passando o descontrolo vai aparecendo, as emoções sobem, radicalizam-se e tornam-se agressivas.

Foi a isso que assisti hoje como PNS. E, repito, as regras deste tipo de inquirição são muitos doces comparadas com as de uma comissão de inquérito. Esperemos então pelo dia 15 de junho para ver se os deputados são competentes no seu trabalho.

ELOGIO

A Procuradoria-Geral da República anunciou na passada 6ª feira que abrira um inquérito à violação do segredo de justiça no caso Tutti-Frutti.

Eu tinha mostrado a minha surpresa há uma semana pela inação da PGR. Ainda bem, mas o elogio seria maior se a PGR tivesse implementado instrumentos de controlo que são habituais noutros países e que permitem descobrir em muitos casos as fugas de informação como aqui ocorreu com grave lesão do Estado de Direito.

Mas, desta vez, o elogio vem com uma crítica: é inconcebível que a PGR venha desculpar-se com “falta de recursos” para justificar um inquérito que dura há 7 anos e que colocou cidadãos sujeitos a esta bandalheira de violações dos seus direitos por quem tem acesso ao processo. E que não peça desculpa às vítimas.

LER É O MELHOR REMÉDIO

As férias aproximam-se e, sem qualquer snobismo (até porque as duas autoras – uma delas Prémio Nobel – são de qualidade internacional), sugiro dois livros sobre imperatrizes:

Pearl S. Buck (Prémio Nobel da Literatura em 1938) é uma autora injustamente esquecida que a D. Quixote edita. A sua imperatriz foi uma concubina que se tornou na última mulher a liderar a China, durante 47 anos até à sua morte em 1908.

Kristina Sabaliauskaitė é a mais famosa escritora lituana, o seu best-seller ainda não chegou cá, mas a edição francesa está a encantar-me. A sua imperatriz é Catarina I das Rússia, uma serva nascida na Lituânia e que depois de uma vida que é um verdadeiro romance casou com o Imperador Pedro o Grande a quem sucedeu, sendo a primeira mulher a governar a Rússia.

Ler é o melhor remédio para aguentar as férias!

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Duarte Marques, antigo deputado do PSD, referiu ontem no Expresso que daqui a dias se perfazem 2 anos sobre a morte do anterior juiz português no Tribunal de Contas Europeu, sem que o Governo tenha escolhido o seu substituto.

A pergunta é óbvia: como é possível isto? E como é possível que nem sequer seja dada nenhuma justificação?

A LOUCURA MANSA

Pessoas preocupadas com o clima andam a esvaziar (os mais moderados) e a furar (os mais radicais) pneus de cidadãos que têm carros grandes. Registo de interesses: tenho um BMW série 1 e a minha mulher um carro elétrico e por isso estamos livres do problema.

No fundo, do que se trata é de vandalismo com boa consciência.

Ora, até 2025 a China está a planear produzir por ano mais 270 gigawatts a partir do carvão, o que corresponde a mais do que qualquer país produz atualmente.

Se têm dúvidas, vejam a evolução do consumo de carvão (com previsão até 2025) e como está a crescer na Ásia. E também a evolução de 1990 a 2020 das exportações.

Sugestão: vão aplicar a vossa energia na China e deixem os SUV em paz.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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