A sede pelo poder está no centro do conflito
Os confrontos internos entre militares sudaneses e as Forças de Apoio Rápido paramilitares (RSF) de um dos maiores países do continente africano já tiraram a vida a centenas de pessoas e obrigaram milhares a fugir para países como Chade e Egipto, principalmente por questões de segurança.
Inicialmente, foi decretado um cessar-fogo de 72 horas para permitir que nações estrangeiras retirassem os seus cidadãos. O povo sudanês ficou às portas de uma vida cada vez mais miserável, com falta de comida, água, remédios e combustível.
As forças armadas sudanesas são extremamente leais ao general Abdel Fattah al-Burhan, o governante oficial daquele país, enquanto as RSF mantêm a sua lealdade a Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido como Hemedti.
O que espoletou o conflito?
É preciso recuar ao ano de 2019 para entender como o regime ditatorial de Omar al-Bashir mexeu com a política governativa do Sudão, tendo este criado duas forças de segurança, colocando-as uma contra a outra.
Após a queda do ditador Bashir, houve esforços internos para encontrar soluções pacíficas para uma transição para um governo democrático liderado por civis. No entanto, tal não foi possível, o que originou confrontos internos e uma onda de violência sem precedentes.
Ao longo dos anos as tensões aumentaram, acabando por desencadear uma rivalidade militar que despoletou a guerra civil de 2023.
O desenvolvimento das rivalidades militares
As RSF foram criadas pelo ditador Bashir com o intuito de acabar com uma rebelião em Darfur, na parte ocidente do Sudão, que teve início há mais de 20 anos, consequência da marginalização política e económica da população local pelo governo central sudanês.
Essas forças paramilitares lideradas por Bashir, mais conhecidas como Janjaweed, ficaram associadas a inúmeras atrocidades, incluindo crimes contra a humanidade, assassinatos sistemáticos de civis, massacres na região de Cartum, violações, entre outros.
Bashir tinha dado autorizações aos líderes paramilitares, nomeadamente a Hemedti, para esmagarem a rebelião no sul do país e para, posteriormente, participarem na guerra no Iémen e, mais tarde, na Líbia.
Mal sabia Bashir que Hemedti juntaria forças para o derrubar em 2019 e para o destituir do governo, num golpe inesperado que matou centenas de pessoas e que teve ainda outra surpresa: uma partilha de poder com os civis que lideraram os protestos contra Bashir.
Mas quando tudo parecia correr bem para uma transição pacífica de poder para um governo democrático, eis que um golpe no final de 2021 mudou o rumo dos acontecimentos.
O líder das RSF, depois de todas as polémicas e conflitos internos, criou tensões ainda maiores depois de anunciar que não iria dar seguimento a uma transição democrática de poder.
O golpe liderado por Hemedti não teve o sucesso inesperado, uma vez que os protestos eram frequentes e começaram a subir de tom, isolando a população com problemas económicos cada vez mais profundos.
As falhas existentes no sistema sudanês: um rastilho para as manifestações
As tensões entre o líder das RSF e o povo não se limitam a diferenças de opinião nem a visões políticas diferentes.
Hemedti conta com uma grande fortuna proveniente da exportação de ouro e de minas ilegais, utilizando parte dessa fortuna para financiar milhares de militares sudaneses rumo à governação do país.
Não obstante a enorme fortuna de que é dono, Hemedti e as RSF são detentoras, através de “holdings”, de propriedades altamente lucrativas nas áreas da agricultura, comércio e outras indústrias de extrema importância para o desenvolvimento de uma sociedade como a sudanesa.
No que à justiça diz respeito, várias alegações têm sido feitas ao longo dos anos sobre os crimes de guerra cometidos pelos militares e pelos seus aliados no conflito em Darfur e por assassinatos a manifestantes pró-democracia. Tanto é que o Tribunal Penal Internacional está já à procura de inúmeros suspeitos sudaneses ligados à área de segurança e às forças militares. O atraso nas investigações e nas capturas tem sido também um ponto altamente vulnerável para o conflito.
O que está em jogo naquela região?
O Sudão é um país muito bem situado no continente africano, altamente volátil e que faz fronteira com o Mar Vermelho, com a região do Sahel e com o Corno de África.
A localização estratégica do país e a riqueza agrícola atraíram políticos e militares para uma luta interminável pelo poder sudanês, complicando o sucesso de uma transição democrática.
Os países vizinhos do Sudão, incluindo a Etiópia, o Chade e o Sudão do Sul, têm sido fortemente afetados por conflitos políticos e pelas tensas lutas pelas terras agrícolas nas fronteiras, já para não falar na debandada de refugiados sudaneses que por esta altura têm atravessado as fronteiras à procura de segurança e de um abrigo.
Para alimentar ainda mais o conflito interno, as grandes potências mundiais entram na luta por uma influência em território sudanês. Rússia (através do famoso grupo Wagner e não só), Estados Unidos da América, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, entre outros, veem na transição governamental do Sudão uma oportunidade de ouro para expressarem as suas ideias e para tentarem implementar as suas estratégias políticas naquela região.
Uns temem uma potencial abertura de uma base russa no Mar Vermelho, outros temem avanços ou recuos da influência islâmica ou da influência ocidental...e esta é a altura ideal para meter o nariz.
O Sudão enfrenta um futuro incerto
Onde e quando acabará o conflito, ninguém sabe. Ambas as forças reivindicam o controlo de pontos-chave do país, dentro e fora da capital Cartum.
Apesar da grande discrepância em termos militares entre as forças armadas sudanesas e as RSF, as potências internacionais tanto apoiam um lado como outro, como também expressam preocupação pela crise que o Sudão atravessa. O que está em jogo é o poder num país riquíssimo em recursos e estrategicamente localizado.
Apesar das tentativas estratégicas de mediação do conflito por parte de países vizinhos como o Egipto e o Sudão do Sul, tudo o que é certo por esta altura é uma maior taxa de pobreza e miséria para o povo sudanês.
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