Será que podemos ter liberdade de escolha e maior flexibilidade nos regimes de proteção social e de pensões? E como podemos proteger efetivamente os profissionais liberais? Esta discussão é especialmente pertinente e vem a propósito da discussão recente sobre a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e empurra-nos de novo para uma reflexão mais profunda: a da reforma da Segurança Social, um regime que está em falência.
A base tem de ser garantida para todos – é este o consenso europeu. A Segurança Social é um direito básico e deve ser garantida, sendo fundamental que o sistema de Segurança Social seja bem estruturado e ofereça uma protecção adequada mínima para toda a população.
No modelo que a Iniciativa Liberal defende, há espaço para liberdade de escolha nos pilares de capitalização. E importa ter flexibilidade, necessária para a adaptação a diversos perfis e capacidades, mas também para apoiar profissões liberais e modalidades de trabalho menos “tradicionais”.
Vale a pena compreender melhor a recente discussão em torno da CPAS e os desafios que se colocam. Esta Caixa é um sistema de pensões e invalidez paralelo à Segurança Social. De facto, os advogados e solicitadores não têm o mesmo sistema de apoio que o resto da população.
O tema da “liberdade de escolha” entre o CPAS e Segurança Social tem sido defendido por muitos, esquecendo que, perante uma ideia virtuosa e de princípio, se esconde, neste caso, uma insustentabilidade financeira. Note-se que, de acordo com o auditor actuarial, o sistema já se apresenta em “desequilíbrio”, sendo necessário “iniciar” a análise de medidas corretivas.
Comecemos pelas receitas deste mecanismo. A contribuição, ou valor obrigatório de mais de 260 euros por mês, é obviamente desajustada, nomeadamente para jovens em início de carreira ou profissionais com poucos rendimentos. De outra forma: a contribuição social é fixa e absoluta e não está ligada ao rendimento – não é uma percentagem. Qualquer profissional paga o mesmo, independente do salário que aufere, sendo que deveria estar ligado ao rendimento. Este desajuste não será alheio certamente às crescentes situações de incumprimento, que se cifram em cerca de 21% – há 21% dos beneficiários que não pagam a sua contribuição.
Importa levantar ainda mais questões, desta feita relacionadas com as coberturas, usando como exemplo os problemas específicos da próprio CPAS. Apesar de ser igualmente um regime obrigatório, que cobre pensões e invalidez, a CPAS não cobre as restantes componentes de previdência, como a carência económica, doença, assistência à família e parentalidade.
Gostava de salientar uma desproteção em específico: a das mulheres perante a maternidade. Milhares de mulheres não podem sequer amamentar, não podem gozar licença ou, muitas vezes, perante a incerteza ou impossibilidade financeira nem chegam sequer a prosseguir com essa ideia.
A (des)proteção social dos profissionais liberais é, aliás, um tema complexo em Portugal e que tem de ser enfrentado na CPAS e na Segurança Social. Com uma cultura política que tenta sistematicamente conotar negativamente ou abusivamente os empresários, ou que associa os profissionais liberais a tentativas de pagar o menos possível, não há um ambiente propício a debates construtivos. Porventura o contexto na pandemia tornou mais visível um tema do qual pouco se falava: quem trabalha para si praticamente não tem apoios sociais.
Os regimes de previdência concorrências não podem excluir benefícios fundamentais, de matriz europeia. A concorrência entre regimes de proteção tem de se basear num pacote alargado de benefícios que permita aos empresários, profissionais liberais, e demais trabalhadores viverem com dignidade em caso de necessidade.
Como resolver então a tensão entre falta de receitas e benefícios alargados? É aqui que podemos ir mais longe e aproveitar a atual análise e decisões da CPAS para dar passos em frente no sistema. Podemos ousar trabalhar em diferentes frentes:
- Acautelar pensões dignas equacionando tetos máximos nas pensões.
- Incluir os diversos tipos de proteção social por forma a poder chegar aos diversos cidadãos, incluindo os profissionais liberais em geral, e incluindo as soluções por inerência respostas aos advogados e solicitadores. Porque não ter soluções flexíveis ou benefícios modulares?
- Ter regimes de capitalização supletivos - a Iniciativa Liberal tem defendido a existência de um pilar obrigatório e outro voluntário.
Ousar reformar, precisa-se. E a expressão é especialmente pertinente no tema da Segurança Social e de pensões.
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