Opinião

Desgoverno na cultura e na educação: para quando a mudança?

Desgoverno na cultura e na educação: para quando a mudança?

Ana Catarina Mesquita

Professora universitária

Depois do 25 de Abril nascia um tempo de liberdade que se afigurava promissor, em que os sonhos poderiam ganhar asas e Portugal teria a possibilidade de prosperar e ser um exemplo à escala global. Hoje, aparentemente, temos liberdade mas, na verdade, mantemo-nos presos à nossa conformidade inaceitável e indesculpável. Como podemos aceitar de braços cruzados o rumo que a nau portuguesa teima em seguir?

Qualquer país que se pretenda evoluído deverá ser constituído por vários pilares. Dois deles são, sem qualquer dúvida, a educação e a cultura. Em Portugal, estas duas pedras basilares da formação do ser humano têm sistematicamente sido colocadas em segundo plano nas prioridades de quem nos governa, o que, como cidadã do mundo global, não deixa de me preocupar de forma imensurável.

O mundo é feito de pessoas e deverão ser elas o ponto de partida e o destino de toda a ação realizada no e sobre o planeta. Se desejamos um mundo evoluído, só o conseguiremos se formarmos seres pensantes, capazes de se questionar sobre o que não vai ao encontro dos interesses dos cidadãos, capazes de perceber quando estamos estagnados e quando tentam manipular a forma como pensamos e agimos.

Neste contexto, a cultura preconiza a essência do que significa sermos humanos, com defeitos e qualidades, com imperfeições, mas em busca da evolução. Daí que todas as formas de cultura sejam essenciais e deveriam ser valorizadas por aqueles que nos governam. No entanto, quando o orçamento aperta, os parentes pobres é que sofrem cortes mais consubstanciais e a fatia do mesmo atribuída à cultura no nosso país é, atrevo-me a dizer, vergonhosa.

O mesmo acontece com a educação: cortes evidentes ao longo dos anos, falta de abertura para encontrar soluções para os problemas e o tratamento de questões essenciais como se estivéssemos a discutir questões secundárias ou menos importantes do que outras. Tudo isto é lamentável e a fatura será paga pelas gerações vindouras.

Depois do 25 de Abril, nascia um tempo de liberdade que se afigurava promissor, em que os sonhos poderiam ganhar asas e Portugal teria a possibilidade de prosperar e ser um exemplo à escala global. Hoje, aparentemente, temos liberdade mas, na verdade, mantemo-nos presos à nossa conformidade inaceitável e indesculpável. Como podemos aceitar de braços cruzados o rumo que a nau portuguesa teima em seguir?

Como aceitar que os nossos jovens não possam sonhar seguir as suas verdadeiras vocações, porque, no seu país, não há garantia de emprego nessas áreas? Quem vai, no futuro, querer fazer carreira na cultura ou na educação, sabendo da fragilidade dos postos de trabalho e dos baixos salários auferidos? E, última questão que ofereço para reflexão, o que se pode esperar do nosso país no futuro se não houver quem eduque ou quem despolete dentro de nós o sentido crítico e oportunidades de pensar e repensar a sociedade em que vivemos e aquilo que somos, como a cultura tão bem o enceta?

Perante isto, podemos continuar a aguardar que o D. Sebastião regresse do meio do nevoeiro para nos salvar, ou, sendo mais realistas, “colocar as mãos na massa” e tomar as rédeas de um país que é nosso, antes que seja tarde demais. A taxa de abstenção no nosso país continua a ser inaceitável. Urge que mais jovens percebam a importância do dever cívico e que só terão uma voz ativa e válida se votarem, se discutirem os temas em tertúlia, se estiverem bem informados sobre o que se passa em seu redor e sobre questões que dizem respeito a todos. Este caminho começa a ser percorrido em casa e, depois, na escola, onde deve ser fomentado o espírito da verdadeira democracia.

O cansaço geral é evidente, mas os braços não podem ser cruzados. Precisamos muito da cultura e da educação e delas não podemos desistir. Queremos um mundo em que somos transportados rumo ao desgoverno sem questionamento, ou vamos decidir assumir o leme do barco em que todos nos encontramos? Creio que cada um de nós deverá responder a esta questão e começar a mudança no seu quotidiano, com pequenos passos que podem vir a ser gigantes.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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