Opinião

Lei de Programação Militar: helicópteros

Os avanços tecnológicos acelerados dos últimos 30 anos na aviação militar levaram a uma enorme especialização tecnológica dos pilotos e de todo o pessoal responsável pelas tarefas da manutenção. Desperdiçar essas experiências e as capacidades residentes será um enorme erro

Faz este ano 60 anos da chegada dos primeiros helicópteros Alouette III a Luanda em Angola. Foi uma data histórica pois representou a introdução de uma nova capacidade aerotransportada nas Forças Armadas em Portugal, até aí praticamente inexistente. Por coincidência foi anunciado recentemente pela senhora Ministra de Defesa Nacional a possível aquisição de helicópteros na proposta da nova LPM (Lei de Programação Militar).

As Forças Armadas Portuguesa dependem do poder político e muito bem, são os responsáveis políticos que decidem as estratégias e as leis que enformam e enquadram a Defesa e a Segurança Nacional. Como determinado na Constituição da República Portuguesa (CRP) é responsabilidade do Parlamento, a elaboração e aprovação de algumas das leis que enformam a segurança e defesa em Portugal. É em sede do Parlamento, que são aprovadas, entre outras, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) donde derivam as missões das Forças Armadas e a LPM para a aquisição dos sistemas de armas para cumprir essas missões.

As nossas Forças Armadas estão completamente depauperadas e fragilizadas, como nunca aconteceu nos últimos 50 de democracia, resultado de décadas de desinvestimento na Segurança e Defesa, faltam os recursos humanos, os recursos materiais e os recursos financeiros, as consequências são uma diminuição acelerada e perigosa das suas capacidades de combate, pondo em causa a segurança, a defesa e a soberania de Portugal. Cabe aos políticos, nas sedes de poder respetivas, analisar as diferentes situações e definir as prioridades, aconselhados pelas chefias militares.

Os helicópteros são máquinas complexas, é necessário operar e sustentar essa capacidade, o que na prática representa custos significativos. Para lá da aquisição, são necessárias infraestruturas, instalar uma capacidade de manutenção e logística de apoio. Portugal tem um longo historial e uma notável experiência de emprego de helicópteros em combates, foram 14 anos de combate em Angola, na Guiné e em Moçambique, foram mais de 250 mil horas voadas em campanha, operação reconhecida por todas as chefias militares, passadas e presentes.

Portugal tem uma economia com fragilidades, não fará qualquer sentido a criação de aviações orgânicas, por serem caras, por implicar duplicações em infraestruturas, formação de pilotos e recursos humanos especializados. Não pondo em causa a necessidade de dotar a componente terrestre com maior mobilidade e proteção da força, nomeadamente as forças projetadas e é uma realidade premente nas nossas forças armadas. Contudo é necessário discutir Onde, Quando e Como se vai constituir essa nova capacidade? Também de grande relevância e muito importante, decidir as prioridades, tendo em atenção ao enquadramento do novo CEDN.

Perante os fatores em causa, o bom senso aconselha o posicionamento onde residem os saberes e os conhecimentos, onde estão as infraestruturas aeronáuticas, onde já existem as capacidades de formação e treino de pilotos e especialistas, onde já estão outras áreas de apoio, como o tráfego aéreo, os bombeiros, os combustíveis e as estruturas da segurança de voo, área essencial e critica para a operação de aviões e helicópteros.

Os portugueses nas últimas décadas percecionaram erradamente que já não havia guerras, e as que persistiam aconteciam lá longe. Os portugueses confiam nas suas Forças Armadas, mas sentem que são importantes para “apagar fogos e fazer evacuações”, subitamente acordaram com uma guerra à porta de casa. Tudo mudou ou vai mudar, é importante afirmar que as forças militares existem para combater, é essa a sua missão imperativa.

É importante analisar e comparar outras estruturas similares de outros estados, contudo é de importância vital ao importar outros modelos adaptá-los às suas culturas próprias e às suas disponibilidades financeiras. Portugal tem uma experiência muita rica e histórica da aviação militar, com mais de 100 anos, tivemos experiências boas e outras menos relevantes. Os avanços tecnológicos acelerados dos últimos 30 anos, nomeadamente na aviação militar, levaram a uma enorme especialização tecnológica dos pilotos e de todo o pessoal responsável pelas tarefas da manutenção e do apoio logístico dessas capacidades aeronáuticas, o que conduziu a uma componente do Poder Aéreo independente altamente profissional e com uma cultura própria, resultado de uma notável experiência de combate com mais de 60 anos. Desperdiçar essas experiências e as capacidades residentes será um enorme erro.

O autor voou mais de 800 horas em combate no helicóptero Alouette III no Norte de Moçambique. Foi comandante Operacional da Força Aérea e comandante Operacional dos Açores. Voou mais de 4 mil horas em helicópteros.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas