Diplomacia de ferro
Crónica de uma visita a Kyiv de uma delegação do Grupo dos Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu
Eurodeputado do PS, ex-ministro
Crónica de uma visita a Kyiv de uma delegação do Grupo dos Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu
Escrevo a crónica desta visita a Kyiv no comboio noturno que nos trouxe da fronteira polaca até à distante capital ucraniana. Primeira imagem que retenho, ainda na Polónia, no aeroporto de Rzeszow, já muito próximo da fronteira com a Ucrânia: os misseis Patriot de defesa antiaérea, bem visíveis ao lado do aeroporto, para satélite russo ver. Começava ali a terra da coragem!
Embarque no comboio noturno, que nos levaria a Kyiv. Uma viagem de quase 12 horas, pela noite dentro, acabada já noutro dia. Neve à saída da Polónia, neve à chegada a Kyiv. Aqui a Primavera vai dura. Tempo de caserna, teto baixo, muita humidade, olhos no chão.
E determinação.
À entrada na Ucrânia, chega o alerta da ainda distante região de Kyiv!
Ataque aéreo iminente, recolher aos abrigos subterrâneos. Só a meio da noite chega a mensagem de que o perigo já teria diminuído. Chegados a Kyiv, sabemos que terão sido mais de uma dezena de drones de origem iraniana dirigidos à região capital. E que, apesar das defesas aéreas, um terá atingido o alvo (ou também foi abatido e os destroços caíram nos subúrbios, de acordo com outra versão).
E não posso deixar de pensar como será a vida de quem há um ano vive assim todos os dias. A central elétrica, o parque, aquele cruzamento que foram bombardeados. Tudo no centro de Kyiv e a vida que tem que continuar.
A nossa missão prossegue. Dar força à sociedade civil. Direitos limitados pela lei marcial, o que é compreensível, mas ansiedade para que o fim da guerra traga de volta os direitos, mais que todos o direito a viver.
Uma sociedade que se acostumou ao sofrimento da guerra, que já não desce aos abrigos aquando dos alertas, que circula pelas ruas freneticamente, que persevera, mas que não esquece nem por um segundo a agressão russa. Ali jazem os tanques russos capturados, ali onde se lembra Holodomor e Maidan.
Coragem! União em torno dos seus líderes, pela derrota do invasor, pela vitória da liberdade!
Uma liderança que impressiona, notavelmente o poder executivo ao mais alto nível. Organização exímia, diplomacia e comunicação irrepreensíveis. Primeiro-ministro Shmyhal,, Ministro dos Negócios Estrangeiros Kuleba, todos a afinar pelo mesmo diapasão.
Estão bem cientes do lugar na história que já ocupam, e do papel na Europa que já lhes pertence. Sabem agradecer cada envio de armamento, para de seguida explicarem porque mais é necessário. Revelam frustração com a forma como os russos vão fugindo às sanções internacionais, sempre que podem. Querem que se confisque o dinheiro da máquina de Putin e dos oligarcas, para que sejam estes a pagar a reconstrução da Ucrânia. Exigem que os crimes de guerra sejam julgados, para que acabe a impunidade dos agressores. Mas sabem não se revelar ansiosos quanto às negociações de paz que nunca mais começam, porque o agressor ainda tem muita carne para canhão.
A todos deixamos compromisso e solidariedade. Agora vamos embarcar, vamos iniciar o regresso no combóio da liberdade Fica para sempre na memória o país da coragem, que não pára de surpreender, a quem só falta ganhar a guerra ao segundo maior exército do Mundo.
A pedido do autor, o Expresso respeitou a grafia Kyiv usada neste texto - e não a forma Kiev, que o jornal adotou
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