Opinião

O problema de querer ser grande com complexos ideológicos de país pequeno

O problema de querer ser grande com complexos ideológicos de país pequeno

Virgílio Bento

Fundador e líder da Sword Health

O Parlamento está a debater e prepara-se para votar uma nova proposta de lei das startups que prevê alterações ao regime da tributação das opções de compra de ações. Para o fundador e líder da Sword Health, empresa portuguesa que alcançou o estatuto de unicórnio com o trabalho que desenvolveu na criação de soluções digitais para o tratamento de patologias músculo-esqueléticas, esta pode vir a ser mais uma oportunidade perdida para o sector

Em Portugal, a fuga de talento para outros países é um problema histórico.

Face à tomada de consciência dos graves danos gerados por esta incapacidade do país em reter e atrair talento, sucedem-se os governos, os ímpetos reformistas, os debates e as análises mas, no final, quase nunca nada muda. Ou muda pouco.

Desta vez, e em sintonia com a tendência lançada por vários países europeus e por outras geografias mais distantes, percebeu-se - finalmente – que era necessário e urgente mexer na lei das startups, mais concretamente, no chamado regime das stock options, ou seja, na tributação das opções de compra de ações. A tão esperada reforma foi prometida em 2021 mas só agora, em 2023, apareceu o diploma que o governo apresentou como o instrumento que iria dar a Portugal “a lei mais competitiva da europa e talvez do mundo”, tendo como grande objetivo impulsionar a captação de talento e ampliar o retorno para a geração mais qualificada do nosso país.

Infelizmente, se, como previsto, for aprovada nos moldes atuais pelo Parlamento esta semana, a legislação será antes uma oportunidade perdida e mais um incentivo para que o talento português que inova e cria valor, saia de Portugal e lance os seus projetos em outros países onde o seu valor é reconhecido sem complexos ideológicos. O seu único mérito é mesmo o avanço importante no que diz respeito aos colaboradores das empresas que serão abrangidos pelo novo regime.

De resto, e ao contrário da generalidade dos outros países onde a mesma lei será implementada, o governo optou por fazer uma reforma, mas não quer que a mesma se aplique aos fundadores e gestores das empresas (nem aos colaboradores que mudem de país), ideia que revela, além de um profundo desconhecimento sobre como são criadas, funcionam e crescem as startups, um complexo ideológico que continua a travar o desenvolvimento do país e a amarrá-lo à cauda da europa.

Só assim se compreende que o executivo queira excluir os fundadores, que por inerência estão nos órgãos sociais destas empresas, do alcance desta reforma, ideia totalmente inversa à tendência internacional. Não fosse o desconhecimento e o legislador saberia que os fundadores são o centro de gravidade das startups e que são eles quem gera a atração e captação de talento – que é o objetivo primário desta lei.

Os Fundadores manterão ou levarão os seus projetos para países com regimes fiscais em que esta discriminação não acontece, levando consigo a captação de talento e criação de valor.

Resultado: um Portugal em desvantagem, menos atrativo, menos competitivo e, consequentemente, mais pobre.

Além do desconhecimento, esta opção do governo português é também marcada por uma visão arcaica e pelo preconceito à luz dos quais, por fazerem parte dos órgãos sociais, os fundadores não geram valor nem riqueza para o ecossistema mas capturam-nos simplesmente para si próprios, não devendo por isso ser beneficiados por esta lei.

A minha experiência ao criar a Sword Health de raiz em Portugal e ao torná-la uma das mais importantes startups a nível mundial, diz-me claramente que o nosso problema em Portugal não é a falta de talento mas sim a forma como gerimos e reconhecemos este talento. Quando uma equipa de gestão e de colaboradores é reconhecida pelo valor que cria sem complexos ideológicos ou dogmas, somos capazes em Portugal de criar empresas com impacto mundial. Apesar de sermos um país geograficamente pequeno, o nosso talento tem uma dimensão mundial. O nosso maior problema enquanto País são estes complexos ideológicos que estão enraizados em todas as decisões políticas e que limitam significativamente o potencial de Portugal ser um dos Países que irá liderar o novo mundo tecnológico. Temos esse potencial. Falta quebrar os complexos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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