Seria bom que António Costa alterasse profundamente o que a pupila dileta de Pedro Nuno Santos, agora Ministra da Habitação, anunciou há um mês. Em primeiro lugar, por todas as razões que Cavaco Silva enumerou, em especial pela quebra da confiança que está a gerar nos investidores privados. Em segundo lugar porque o Pacote é muito fraco, mal estudado, feito à pressa, revelando um enorme desconhecimento do mundo real, e com efeitos devastadores para o setor do turismo
Como já tenho dito, comentar à 3ª feira tem um problema que acaba por (poder) ser uma oportunidade.
O ciclo noticioso está montado para culminar na 6ª feira e os fins-de-semana costumam ser mais sossegados e orientados para mastigar e regurgitar o que ocorreu antes.
Por isso sou obrigado a fazer o que aliás prefiro: refletir com tempo sobre as causas e as consequências, em vez de entrar na correria de fingir que sou jornalista, contactar fontes e dar notícias em primeira mão.
Não vim ao engano e, por isso, se/quando não consigo alcançar o objetivo só de mim me posso queixar.
Vamos então aos temas. Todos eles têm a ver com “meter água”, em vários sentidos que a expressão possa ter.
E, como se dizia a outro propósito, “siga a Marinha”.
SIGA A MARINHA
Se houve recentemente tema em que a expressão “meter água” se aplica muito bem é sem dúvida o caso do navio em que houve uma insubordinação na Madeira.
Em primeiro lugar, vi “meter água” os militares que se recusaram a embarcar e aqueles que os consideraram “heróis”, “responsáveis”, “corajosos”, “louváveis”, e um “um ato de bravura” o que fizeram, como vimos nas reportagens no aeroporto de Lisboa à chegada.
Trata-se do que com alguma bondade se pode dizer constituir “falta de consciência da ilicitude”, mas que para um psicanalista seria uma falta ou fragilidade do Superego, ou seja dos “ideaisinternalizados que são adquiridos através dos valores familiares particulares de cada indivíduo, assim como aqueles partilhados pela sociedade em que está inserido”.
Realmente, nota-se que quem foi ouvido pelas televisões não disse uma palavra a referir o erro, a falha, a precipitação, o medo, a culpa; ou seja, todos eles - no fundo - acham que os 13 militares agiram muito bem.
Por isso, se deve concluir que há décadas que as Forças Armadas andam a “meter água”, não acham importante ou não são capazes de fazer a aculturação para a condição militar, pois se a fizessem, este incidente não teria acontecido ou se ocorresse ver-se-ia o imediato arrependimento.
Depois, o País como um todo também anda a “meter água”. As suas elites e os que têm funções de aculturação (professores, intelectuais, jornalistas, líderes de opinião, dirigentes políticos) não pensam, sequer, em nos preparar para percebermos que a função militar não é um emprego de funcionários públicos como outro qualquer, em que se fazem greves e manifestações.
Sinceramente, acho mesmo que uma sondagem que se fizesse agora daria uma confortável maioria a justificar a reação dos 13 marinheiros e muitos assinariam por baixo o que disse o líder sindical da Associação Nacional de Sargentos: “o tempo em que o chicote …e o 'quero, posso e mando' é que determinava[m], é um tempo diferente. Infelizmente, vivemos demasiado esse tempo e infelizmente esse tempo ainda prevalece em algumas mentalidades menos informadas".
Por isso se percebe que Marcelo (sempre sensível à popularidade e evitando falar do que seja incómodo) tenha levado o “Comandante Supremo das Forças Armadas”, que nele encarna, a “meter água” evitando sequer referir a indisciplina e culpando a falta de manutenção do navio na sua imediata reação em uma das suas várias conferências de imprensa diárias.
Por isso também o Chefe de Estado Maior da Armada achou que devia chamar as televisões ao navio e depois dar uma entrevista à SIC e outra aoSOL, para fazer a correr a tal aculturação que há décadas anda por fazer.
O CEMA, que encarna no protocandidato presidencial Gouveia e Melo, fizera bem em reagir sem tolerância e não usar “paninhos quentes”, mas “meteu água” ao não resistir à tentação de mais ou menos subliminarmente sugerir que com ele ao leme as coisas mudariam em Portugal.
Finalmente, o barco estaria a “meter água”, o que é talvez a melhor metáfora do Estado em que estamos condenados a viver se não emigrarmos.
A melhor metáfora, enfim…, pois não faltam outros exemplos, como a pesquisa na internet que fez Ricardo Araújo Pereira demonstrou e o caso dos navios elétricos – a que voltaremos – exemplifica.
E, metáfora ou não, quem é assim como ousa meter-se no negócio de grossista de arrendamento?
HABITAÇÃO: OS ERROS E A IGNORÂNCIA DA PUPILA DILECTA
Cavaco Silva, Francisco Assis e Ascenso Simões malharam no Governo:
O primeiro, em relação ao Pacote da Habitação,
O segundo por causa dos ataques sem estudo prévio aos supermercados (“não é aceitável que se prossiga uma política de insinuações constantes”),
O terceiro para explicar a urgente necessidade de “uma remodelação de metade do Governo”.
Ascenso Simões caiu em alguma desgraça, Assis é cada vez mais um “eletrão livre” e Cavaco tem a história e a experiência que se sabe.
Talvez não tenham dito nada de novo, como Marques Mendes curiosamente referiu em relação a Cavaco, ao lembrar que ele próprio já o dissera antes.
Mas também Marques Mendes repete muitíssimas vezes o que eu dissera, mas dito por ele – desde logo por ser protocandidato a Belém – tem uma importância a que eu nunca poderia aspirar. Acredito que na relação entre ele e Cavaco ocorra algo semelhante, pelo menos por enquanto...
Mas o relevante é que o Governo vai ter de decidir na próxima 6ª feira se vai aprovar aspartes controversas do Pacote da Habitação para envio à Assembleia da República.
Seria bom que António Costa alterasse profundamente o que a pupila dileta de Pedro Nuno Santos, agora Ministra da Habitação, anunciou há um mês. E por várias razões:
Em primeiro lugar, por todas as razões que Cavaco Silva enumerou, em especial pela quebra da confiança que está a gerar nos investidores privados no imobiliário, sem os quais não há crise de habitação que se resolva.
Em segundo lugar porque o Pacote é muito fraco, mal estudado, feito à pressa, revelando um enorme desconhecimento do mundo real, e com efeitos devastadores para o setor do turismo. Ou, como disse o Presidente da República, é uma “lei cartaz”, um “faz de conta”, ou seja, uma encenação que a ser assim tem o nome de fraude política.
Eu achava que estava tudo dito, quando li no DN um artigo de Cristina Siza Vieira (Vice-Presidente Executiva da Associação de Hotelaria e uma das pessoas que mais sabe da matéria), com o título “Alojamento Local e o Pacote Mais Habitação. Que tal fazer primeiros os trabalhos de casa?”
Se o Governo não tiver tempo para ler mais nada, por favor leia este curto artigo onde se realçam quatro ignorâncias, que ela considera “fatais”:
Aplicar o Pacote (pois são Alojamento Local) a “Hostels” que podem ter 200 quartos e a pequenos estúdios sem viabilidade habitacional;
Incluir no pacote conjuntos turísticos, resorts e zonas de veraneio não urbanas;
Presumir que tudo isso se pode converter em habitação de longa duração com um piscar de olhos;
Ignorar que a Assembleia da República já atribuiu aos municípios o poder/dever de regular o AL.
UM PACOTE PARA SACUDIR ÁGUA DO CAPOTE
Finalmente, em terceiro lugar, os eleitores são muito mais sensatos do que a “pupila Ministra”. Vejam a sondagem da Intercampus para o Correio da Manhã, divulgada ontem:
Em resumo:
74,9% acham que estas medidas não vão resolver o problema da habitação;
59,2% não concordam com o arrendamento forçado de casas devolutas;
75,5% acham que o Estado não conseguirá gerir essas casas devolutas.
É verdade que 47% acham que o Governo é o culpado da crise da habitação, ou seja, mais do que todos os que acham que a culpa é dos bancos, proprietários ou câmaras.
António Costa sabe disso e achou tinha de fazer uma encenação, sacudindo com o Pacote a água do Capote do Governo, tentando passar a culpa para bancos, municípios e sobretudo proprietários.
Mas na sondagem só 11,7% culpam da crise os proprietários, pelo que António Costa “meteu água” e deve imolar a Ministra e saltar fora deste (impopular) disparate já esta semana.
O meu palpite é que o que vai ser aprovado pelo Governo terá pouco a ver com o pacote original.
Se não for assim, parecerá que António Costa ensandeceu e em nova entrevista Ascenso Simões irá achar que talvez remodelar o Primeiro-Ministro já será a única solução para o PS.
O ELOGIO
A Carlos Moedas, pela coragem de em tempos de populismo, dar a cara ao ir inaugurar um projeto privado de habitação em Lisboa para estudantes com preços que variam entre 695 e 1096 euros por mês.
Segundo li, foi feito um investimento de 150 milhões de euros, para o próximo ano letivo está quase esgotado, mas o que se lê não são elogios, mas criticas patéticas.
LER É O MELHOR REMÉDIO
Confesso que me dá prazer sugerir estes dois livros, que reúnem duas grandes figuras da cultura portuguesa que lutaram pela Liberdade com a mesma determinação e coragem, antes e depois do 25 de Abril.
Falo da biografia de Natália Correia, “O Dever de Deslumbrar” (Contraponto) e de “Toda a Prosa” de Manuel Alegre (D. Quixote).
Há grandes escritores que nunca lutaram pela Liberdade ou até estiverem do lado errado desse combate secular. E há corajosos lutadores sem qualidade literária.
Por isso é uma alegria para o cérebro, para o coração e até para o fígado quando as duas qualidades se reúnem.
Leiam, que a vida Natália foi sempre um poema e Alegre não é só um grande poeta.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
Na semana passada o Público revelou que se mantêm em vigor leis restritivas de direitos (e que ajudam à violação de deveres) criadas para a COVID, como seja a lei que proíbe despejos de quem não paga a renda.
Não se percebe a lei, pelo menos desde o fim do inverno de 2021. Mas ainda que se mantivesse até ao fim do estado de alerta (setembro de 2022), o Governo só em novembro enviou para a Assembleia da República a proposta de revogação de essa legislação e só no dia 23 de março começa o debate para a revogação.
A notícia terá sido despoletada pela história de duas vítimas do abuso, uma octogenária internada num lar que há 3 anos não tem o rendimento de um pequeno andar e uma jovem proprietária que precisa da casa.
A pergunta é simples: como é possível tanta indiferença da parte do Governo e da maioria?
A LOUCURA MANSA
Quando o Governo fez anunciar quem venceu o concurso de 10 navios elétricos para a Transtejo, revelou que era o “maior concurso público internacional realizado até hoje a nível mundial” desse tipo de navio, e que chegariam “os quatro primeiros navios em 2022, quatro navios em 2023 e os restantes dois em 2024”. Só agora chegou o primeiro e vinha avariado.
Esqueça-se o atraso; mas não se pode esquecer que não foi incluído no foguetório da altura que os barcos foram comprados sem baterias e sem que tivesse sido precavido no concurso que o fornecedor dos navios não ficava com o negócio à vontade …
Estou convencido que isto não foi mais do que incompetência (mas convém averiguar), originada pela ânsia da propaganda do Governo de Costa, mas como loucura seria difícil encontrar melhor. No fundo, de novo, “meteram água”…
E, mais uma vez, saiu o ministro, afastam-se os administradores e o Primeiro-Ministro assobia para o lado como se não fosse nada com ele.
Mas a maior loucura é que, segundo a sondagem Intercampus para o CM, os portugueses não duvidam que preferiam comprar um carro em 2ª mão a António Costa do que a Luis Montenegro…
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