Opinião

Ainda o acolhimento de refugiados ucranianos pela Câmara Municipal de Setúbal – a má consciência da CDU

Ainda o acolhimento de refugiados ucranianos pela Câmara Municipal de Setúbal – a má consciência da CDU

Paulo Ribeiro

Presidente da distrital de Setúbal do PSD

A polémica veio a público em abril do ano passado, com a publicação de uma notícia no Expresso, e deu origem a um processo que culminou num relatório da comissão de investigação à câmara de Setúbal a apontar para a "insensibilidade" do município no acolhimento aos refugiados ucranianos

Em 29 de abril de 2022, o país acordou chocado com a notícia do semanário “Expresso” de que a Câmara Municipal de Setúbal tinha cidadãos russos a acolher os refugiados ucranianos que chegavam à cidade.

Como sempre, os poderes públicos acordaram para uma realidade que não podiam desconhecer e multiplicaram-se os inquéritos e investigações à atividade da autarquia de Setúbal. Enquanto isso, o nome de Setúbal andava nas bocas do mundo e era achincalhado nas redes sociais.

No dia em que se assinalava um ano sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, a Assembleia Municipal de Setúbal discutiu e votou o relatório da Comissão Eventual de Fiscalização da Conduta da Câmara e dos Serviços Municipais no Acolhimento de Refugiados Ucranianos em Setúbal. Este relatório foi aprovado por todos os partidos com assento naquele órgão, com exceção da CDU, que se absteve. Para a CDU o relatório “não demonstrou qualquer tipo de má conduta” por parte da Câmara Municipal. Para os comunistas as conclusões retiradas do relatório são apenas assentes em “opiniões”, que “não existiu” nenhuma vítima e que “o prejuízo aconteceu devido à polémica, o que está em causa é zero”.

A insensibilidade dos comunistas fica bem demonstrada por estas intervenções e votação, mas o relatório da Comissão demonstra mais do que isso. Indica uma maioria sem qualquer controlo interno, sem capacidade crítica e principalmente sem cuidar de averiguar as denúncias de que tem conhecimento.

Desde logo este relatório demonstra o desinteresse com que a autarquia acolheu as denúncias recebidas. Em 28 de fevereiro de 2022, a Associação Anjos da Misericórdia alertou a Câmara Municipal de Setúbal que não era de muito bom senso ter cidadãos russos a acolher ucranianos que fugiam da guerra. Em 20 de março de 2022, os vereadores do PSD reiteram as queixas dos refugiados ucranianos por estarem a ser recebidos por cidadãos de origem russa. A estes alertas a maioria comunista reagiu com total indiferença. A Câmara Municipal só desperta para o problema com a notícia do “Expresso”, em 29 de abril. Dois longos meses de letargia, normalizando uma situação de todo anormal. Só muito tardiamente, por força da pressão da opinião pública, é que a Câmara Municipal se apercebeu da mudança do contexto e que mandava o bom senso que não fossem colocados cidadãos russos a acolher refugiados ucranianos.

Mas há mais. O protocolo com a Associação EDINSTVO existia desde 2002, tendo sido sucessivamente renovado sem qualquer avaliação por parte da autarquia. É importante recordar que, nestes 20 anos de vigência do protocolo, a autarquia foi presidida sempre pela CDU, primeiro por Carlos Sousa, depois por Maria das Dores Meira e atualmente por André Martins. Ao longo destes anos, nenhum dos decisores políticos avaliou ou questionou a necessidade de introduzir melhorias no protocolo.

O resultado deste comportamento pouco rigoroso foi a total ausência de regras para proteção de dados pessoais, o que já mereceu uma multa da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), pagamentos indevidos à associação – dinheiros que foram, entretanto, devolvidos. Mais, a mulher do primeiro presidente da associação passou a ser funcionária da autarquia e, desde 2017, passou a ser presidente da EDINSTVO. A anterior presidente da autarquia declarou à comissão desconhecer este facto, mas admitiu a possibilidade de existência de um conflito de interesses! É obvio que há um conflito de interesses.

Mais uma vez acordaram tarde para o problema. Mas, porventura o ponto mais grave, é a utilização abusiva de passwords. Efetivamente, como resulta da Deliberação/2022/1040 da CNPD, “[n]o período compreendido entre os dias 11 e 28 de março, Yulia Kashina esteve ausente por doença” (ponto 122 do relatório da CNPD), tendo cedido as suas credenciais ao marido, que não era funcionário da autarquia, para acesso aos portais de registo.

A CNPD conclui, sublinhando a gravidade de tais factos que “[a]o permitir que pessoas estranhas aos serviços municipais pudessem aceder a equipamentos informáticos utilizados para o tratamento de dados pessoais sem perfil de acesso específico e, bem assim, ao aceder-lhes acesso a informação dos refugiados apoiados através da LIMAR, constantes dos formulários do curso de Português Língua de Acolhimento (PLA), transportando-os para o exterior das instalações do Município sem previamente assumir qualquer compromisso formal e sem definir qualquer orientação sobre a gestão e segurança da informação assim cedida e transportada, o Autarquia não atuou com os cuidados a que está obrigado, e de que era capaz” (ponto 145 do relatório da CNPD).

Por isso, ao contrário do que diz a CDU, para lá da falta de sensibilidade, este relatório vem também demonstrar a total ausência de rigor e de cuidado na gestão da coisa pública.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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