Opinião

Honestidade pode fazer avançar o processo de paz no Médio Oriente

Honestidade pode fazer avançar o processo de paz no Médio Oriente

Josep Borrell

Vice-presidente da Comissão Europeia

Queremos a paz porque acabar com o conflito seria muito melhor para a segurança internacional. Queremos paz porque reconhecemos o direito à existência tanto de Israel como da Palestina, e porque defendemos o princípio do direito internacional em toda a parte

Demasiadas pessoas morrem todas as semanas em Israel e nos territórios palestinianos ocupados, e milhões vivem no medo e no desespero. A resposta do mundo tem sido demasiadas declarações e muito pouca ação. Isso tem de mudar.

Nós, na União Europeia e na comunidade internacional em geral, precisamos de fazer mais. Sabemos que as pessoas em todo o mundo esperam que nos ergamos e trabalhemos em prol da paz, da justiça e do direito internacional em toda a parte. Mas para agir com sucesso, temos primeiro de ser honestos uns com os outros e connosco próprios.

Ser honesto significa reconhecer que o extremismo está a crescer de ambos os lados. Ataques e violência indiscriminados estão a ceifar muitas vidas israelitas. A violência por parte dos colonos israelitas na Cisjordânia está a ameaçar cada vez mais as vidas e os meios de subsistência dos palestinianos - quase sempre com impunidade.

Além disso, as operações militares israelitas causam frequentemente a morte de civis palestinianos, muitas vezes sem uma responsabilização efetiva; os colonatos ilegais estão a expandir-se em terras ocupadas; e o delicado status quo relativo aos Lugares Sagrados está a corroer-se.

Enquanto os israelitas podem confiar num Estado e exército fortes, os palestinianos não têm tal recurso. Esta enorme desigualdade na capacidade de controlar o próprio destino é visível em cada ponto de controlo à beira da estrada. Todos estes factos são obstáculos à paz.

Com certeza, diferentes atores dentro da Europa reagem frequentemente de forma diferente aos acontecimentos na região. Mas isto não impede a UE de agir. Todos temos estado alarmados com os recentes desenvolvimentos, e todos partilhamos o mesmo objetivo: ver um Estado de Israel seguro, reconhecido mundialmente, a viver em paz ao lado de um Estado da Palestina seguro, reconhecido mundialmente. Esta solução permitiria a ambas as partes benefeciarem de liberdade, prosperidade e relações pacíficas com os seus vizinhos.

Os nossos próprios interesses estão também em jogo. Queremos a paz porque acabar com o conflito seria muito melhor para a segurança internacional. Queremos paz porque reconhecemos o direito à existência tanto de Israel como da Palestina, e porque defendemos o princípio do direito internacional em toda a parte. Queremos paz porque partilhamos laços com todos os povos da Terra Santa, e porque isso seria benéfico para a estabilidade e prosperidade da região. E queremos a paz porque o terrorismo é uma ameaça em toda a parte.

Mas enquanto a UE, a Autoridade Palestiniana, e uma parte considerável do público israelita apoiam a solução de dois Estados, o Hamas não reconhece o direito de Israel a existir, e o atual acordo de coligação do governo israelita nega o direito dos palestinianos ao seu próprio Estado. De facto, a direita israelita nega cada vez mais que a ocupação sequer exista.

Claramente, nem o lado israelita nem o lado palestiniano estão prontos para a paz. Do lado palestiniano, existe uma falta de unidade, bem como uma insuficiente legitimidade democrática. Todas as fações palestinianas terão de renunciar ao terrorismo e ultrapassar as suas divisões políticas. Do lado israelita, as prioridades devem passar por cessar a construção de colonatos e a violência dos colonos, e uma proposta para negociar um Estado palestiniano independente.

Nos últimos anos, a comunidade internacional tem falhado na prossecução de esforços substanciais de paz entre as partes. Os nossos amigos americanos há muito que tentam ajudar a reunir as partes, e os recentes acordos de normalização (os Acordos de Abraão) entre Israel e alguns dos seus vizinhos árabes trouxeram um importante contributo para a estabilidade da região. Mas não aproximaram a paz israelo-palestiniana.

Embora os Estados Unidos continuem a ser essenciais para o processo, já não podemos deixar a maior parte do trabalho árduo para os diplomatas americanos. Pelo contrário, precisamos de um esforço verdadeiramente colectivo que inclua os Estados árabes, a Europa, os Estados Unidos e outros.

Com esta exposição honesta dos factos, o que devemos fazer a seguir? Acima de tudo, precisamos de esforços internacionais mais intensos para criar uma nova dinâmica de paz. Embora não possamos forçar as partes à mesa de negociações, podemos preparar o caminho e ajudá-las a prepararem-se.

Em 2013, a UE ofereceu um "pacote sem precedentes de segurança, apoio económico e político" caso as partes chegassem a um acordo de paz. Com isto em mente, dei instruções ao Representante Especial da UE Sven Koopmans para trabalhar com a Comissão Europeia e os Estados-Membros da UE para dar corpo a tal proposta. Também lhe pedi que desenvolvesse (juntamente com os nossos parceiros) propostas concretas para um processo regional abrangente para alcançar a paz tanto entre Israel e a Palestina como entre Israel e todos os seus vizinhos árabes.

Depois, em fevereiro, encontrei-me com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita, Príncipe Faisal bin Farhan al-Saud, e com o Secretário-Geral da Liga Árabe, Aboul Gheit, que concordaram em recuperar e desenvolver a Iniciativa de Paz Árabe de 2002 e acrescentar-lhe o pacote de paz europeu. Neste esforço, iremos trabalhar em estreita colaboração com outros parceiros árabes e internacionais.

Este processo passa por elaborar um plano de como Israel e a Palestina serão integrados na região se alcançarem a paz. Temos de considerar os tipos de segurança, cooperação política e económica que a paz tornaria possível, e como todas as partes podem enfrentar desafios comuns relacionados com água, energia, infra-estruturas, e as alterações climáticas.

Este é um momento para explorar a maneira como todos nós podemos contribuir para a paz israelo-palestiniana quando ela chegar. Obviamente, nem as contribuições da Europa nem as de mais ninguém seriam implementadas a menos que houvesse um acordo de paz israelo-palestiniano, e não devemos assumir que as nossas promessas de apoio serão suficientes para alcançar esse resultado. Ainda assim, algo é necessário para travar a actual espiral de violência, e podemos desempenhar um papel crucial ao ajudar as partes a refletir sobre as suas opções.

Para ser claro, não estou a anunciar uma iniciativa de paz europeia. Nesta fase, estamos simplesmente a estender a mão aos outros e a considerar como nos podemos preparar para o dia em que israelitas e palestinianos estejam prontos. Podemos aproximar esse dia pintando um quadro mais claro de como seria a paz regional. A honestidade exige ver que não nos podemos dar ao luxo de esperar mais.

Josep Borrell é o alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e Vice Presidente da Comissão Europeia.

Copyright: Project Syndicate, 2023.
www.project-syndicate.org

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