Opinião

Irão: liberdade para as mulheres é liberdade para todos

Foi com a morte da jovem iraniana Mahsa Amini, às mãos da “polícia da moralidade” por violação do código restrito da vestimenta do Irão, que o rastilho se acendeu em setembro de 2022: uma onda de protestos assolou o país desde então. Uma revolta que tem sido diferente, com homens e mulheres de diversas origens étnicas a demonstrarem o seu descontentamento pelas leis obrigatórias do hijab, marchando sob a bandeira dos direitos das mulheres

Irão: liberdade para as mulheres é liberdade para todos

Luís Correia

Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Wroclaw, Polónia

As vozes das inocentes e o confronto às duras leis islâmicas

As vozes inocentes começaram a ouvir-se em Teerão, mas rapidamente percorreram um dos maiores países do Médio Oriente e da Ásia: o Irão.

Os protestos eclodiram um pouco por todo o país, com mulheres a queimarem os seus lenços, numa atitude de grande simbolismo contra as ditaduras islâmicas no que ao hijab diz respeito.

A luta começou em escolas e universidades iranianas após a morte da menina curda Mahsa Amini, mas o que se entenderia ao início como um confronto pacífico contra a obrigatoriedade do uso do hijab, depressa mudou. Diversas alunas apareceram mortas em “acidentes”, outras foram mortas durante os protestos pelas forças de segurança.

Após a desgraça que caiu sobre a comunidade estudantil iraniana, várias organizações como a Sociedade de Apoio às Crianças (sediada no Irão) e a UNICEF pediram o fim da violência contra as crianças.

Com toda a contestação por parte da comunidade estudantil iraniana, a exposição à internet acabou por ser algo esperado, o que agravou ainda mais a situação. Diversas jovens acabaram presas pelas forças de segurança, mas toda a luta não foi em vão: homens e mulheres acabaram por se juntar, solidarizando-se com a luta pelas liberdades e pelos direitos.

Num país onde expressar-se como mulher pode resultar em condenação à morte, as ações de protesto por parte da comunidade estudantil são vistas como corajosas e de louvar.

As autoridades iranianas devem ouvir as palavras ensurdecedoras das mulheres e atender às suas exigências, de forma a garantir a sua segurança e proteção, libertando também os alunos presos e impedindo as forças de segurança de intimidação e de novas retaliações.

Declarações de repúdio...mas regras cada vez mais opressoras

Após o acontecimento trágico da morte de Mahsa Amini, o Grande Aiatola Asadollah Bayat-Zanjani condenou a ação da “polícia da moralidade”, afirmando que as forças de segurança foram “contra a lei, contra a religião e contra o bom senso”, uma vez que os cidadãos, incluindo as mulheres, deveriam ver os seus direitos fundamentais e as suas liberdades respeitadas.

Apesar do repúdio e das críticas à polícia religiosa iraniana, as patrulhas têm sido expandidas e as mulheres continuam a ser intimidadas, torturadas e maltratadas.

A violência não abrandou e a repressão à comunidade feminina continua, com imposições e punições cada vez mais apertadas:

  • obrigatoriedade do uso do hijab e consequentes punições severas para quem violar o código da vestimenta
  • fortalecimento das leis islâmicas, punindo quem utilizar as redes sociais de forma “indecente” e “imodesta”

Como mulheres, o seu futuro é posto em causa com a negação da escolha do vestuário, o que acaba por afetar, embora indiretamente, o direito que deveriam ter na participação da vida pública, nomeadamente nos estudos e no trabalho.

Com a opressão existente no Irão, a mulher que utilizar o hijab de forma inadequada, pode acabar por ser espancada, assediada ou condenada à prisão.

As mulheres lutam contra este código extremamente restrito há anos, embora recentemente a resistência tenha vindo mais a público com o trágico acontecimento da menina curda, morta às mãos da “polícia da moralidade” por má utilização do hijab.

A discriminação já faz parte do sistema e é agora enfrentada de forma mais ousada por parte de diversas comunidades dentro do Irão.

Será a altura certa para gritar por reformas políticas e para pedir um país mais proporcional?

Reformas políticas: serão uma realidade?

A revolta que se fez ouvir um pouco por todo o Irão veio com uma crise económica sem precedentes: uma sociedade iraniana nas margens da pobreza, afetando especialmente as mulheres. As atuais leis e políticas iranianas discriminam o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, com inúmeras restrições em termos de profissões e negação de benefícios e direitos laborais. As desigualdades eram visíveis depois da pandemia, mas acentuaram-se com a revolta iniciada em setembro de 2022, com o governo iraniano a punir as mulheres por ações de justiça e de liberdade.

Seria positivo para o Irão a integração das mulheres no mercado de trabalho e a garantia de segurança e de liberdade, mas infelizmente, o que acontece no Irão moderno é uma quase obrigação à mulher para se casar mais cedo e para ter filhos, aumentando assim a população nacional. O governo decidiu dar um passo atrás nas políticas impostas. Ao invés da promoção do planeamento familiar, onde recebeu inúmeros elogios por parte da comunidade internacional, poucos meses depois da revolta aplicou leis ainda mais duras:

  • Limitações no acesso aos direitos sexuais e reprodutivos – proibição da esterilização feminina e distribuição gratuita de contracetivos no sistema público de saúde e limitação do acesso a um aborto seguro
  • Incentivos para casamentos precoces – garantindo empréstimos sem juros para quem se casasse até aos 25 anos
  • Abusos pós-casamento – a lei iraniana concede aos maridos o controlo total sobre a vida das mulheres.

Atualmente, e infelizmente, o Irão não tem quaisquer políticas para prevenir o abuso sobre as mulheres, para as proteger de violências domésticas, assédios e até feminicídios.

Apesar da discriminação, as mulheres iranianas são altamente qualificadas e educadas, tentando há mais de 40 anos quebrar as políticas impostas num país em rutura. Será uma realidade?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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