A descoberta científica é um processo complexo que geralmente envolve anos de tentativa e erro, bem como debates sobre significado estatístico, causalidade e outros assuntos técnicos. É essa complexidade que explica em parte o porquê de a ciência não ser mais bem compreendida por um maior número de indivíduos; também explica em parte porque é que o ceticismo em relação à ciência atingiu novos patamares.
Vejamos o exemplo das teorias da conspiração e a desinformação antivacina que proliferaram durante a pandemia de COVID-19. É verdade que tais desenvolvimentos também refletem a crescente desconfiança do governo e das instituições e a aguda polarização política em muitos países. Mas esses problemas alimentam-se do ceticismo científico substancial e da má compreensão que surgem (particularmente) durante eventos que são, indiscutivelmente, extremamente negativos, os chamados eventos cisnes negros, como a COVID-19. Até mesmo tentar determinar o grau da dinâmica é complicado, com medidas firmes difíceis de obter e que não se correlacionam claramente com o ceticismo em relação às vacinas e alterações climáticas. Um relatório recente do Pew Research Center revela que apenas 29% dos adultos nos EUA revelam ter muita confiança nos cientistas, no domínio da medicina, quando se trata de agir no melhor interesse do público, um número abaixo dos 40% no final de 2020.
As dúvidas sobre a legitimidade da ciência não podem ser abordadas se não se reconhecer que a ciência nem sempre foi usada para o bem. Desde o estudo da sífilis de Tuskegee até aos peritos bem pagos que comprovaram a segurança do tabaco, a história fornece uma panóplia de exemplos de danos causados por aqueles que reivindicam o manto da ciência. Mas estes casos não são representativos de todo o empreendimento científico. A maioria dos cientistas faz o que faz porque se dedica em progredir na fronteira do conhecimento humano.
Embora o movimento antivacina seja muito anterior à COVID-19, a pandemia deu-lhe nova vida, em parte porque os cientistas estavam a tentar entender o vírus SARS-CoV-2 e o seu impacto publicamente e em tempo real. A descoberta de que o vírus poderia ser transmitido por portadores assintomáticos e era principalmente transmitido pelo ar marcou um momento decisivo.
A maioria das pessoas, e com razão, saudou a chegada de vacinas que salvam vidas e viram-nas como uma prova da agilidade, experiência e valor social da comunidade científica. Embora as novas vacinas tenham sido entregues em tempo recorde, elas também foram apenas o capítulo mais recente de uma longa saga de avanços milagrosos que remontam às vacinas contra a varíola e a poliomielite.
Mas agora que um número crescente de pessoas optou por não vacinar os filhos, a poliomielite e outros flagelos evitáveis têm regressado de forma alarmante, embora ainda limitada. Ainda mais estranho, muitos que resistiram em levar a vacina contra a COVID-19 estão dispostos a recorrer a soluções infundadas e não testadas. Infelizmente, é isso que acontece quando as pessoas passam a ver toda a ciência como uma caixa negra. Quando recomendações baseadas na ciência evoluem para dar conta de novas descobertas – incluindo aquelas que refutam descobertas anteriores – aqueles que duvidam veem incompetência e encobrimentos onde deveriam ver o método científico em ação.
Perante novas situações, é prática padrão que os cientistas testem as suas teorias continuamente e atualizem as suas informações para refletir novos factos. Mesmo que haja um amplo consenso entre a comunidade científica, isso não implica certeza absoluta. Três anos após o início da pandemia, o SARS-CoV-2 ainda não revelou todos os seus mistérios. Os investigadores continuam a reunir provas sobre as suas mutações e efeitos duradouros, incluindo o fenómeno da “COVID longa”.
Da medicina e genética à física e tecnologia, a maioria dos avanços científicos é o resultado de décadas de trabalho árduo, muitas vezes tedioso, em laboratórios. O progresso é incremental, ocorrendo uma experiência de cada vez. Evidentemente, esse processo rigoroso e metódico precisa de ser mais bem explicado como parte de um diálogo mais amplo e contínuo sobre o impacto da ciência e da tecnologia nas nossas vidas e sociedades.
Mas uma melhor comunicação não é suficiente. Investigadores de laboratório, cientistas sociais e outros pensadores importantes têm também de se envolver em debates éticos sobre descobertas científicas – desde IA, ferramentas de edição de genes e vacinas de mRNA para combater vírus e cancros até à fusão nuclear e novos tratamentos para a doença de Alzheimer – que podem mudar drasticamente a nossa experiência quotidiana.
A confiança demora tempo para ser desenvolvida e geralmente fica atrás do progresso. Requer transparência e ampla participação das partes interessadas em todos os níveis da sociedade. Quando os benefícios de uma descoberta científica não são amplamente partilhados, ou quando os riscos não são totalmente divulgados e debatidos, a confiança pode evaporar rapidamente. As discussões sobre ciência e tecnologia não podem, portanto, limitar-se aos cientistas. A participação de grupos da sociedade civil, governantes e reguladores é necessária para responsabilizar os cientistas e garantir que as descobertas são usadas para o bem público e não para interesses mesquinhos.
Na Academia de Ciências de Nova Iorque, há muito que unimos esforços para tornar a ciência mais acessível e mais bem compreendida. Na década de 1980, realizámos uma das primeiras conferências sobre a SIDA. Hoje, continuamos a reunir as mentes científicas mais brilhantes para debates baseados em evidências e investigações sobre as principais questões do nosso tempo. Ao fazermos isso, atingimos sempre o público em geral, com o objetivo de preencher a lacuna de conhecimento.
A nossa tarefa não é apenas comunicar melhor a ciência – embora isso seja, certamente, importante. Igualmente importante é criar oportunidades de participação em debates sobre como a ciência é conduzida e sobre as implicações sociais, culturais, políticas e éticas das descobertas científicas. Criar confiança na ciência e combater a desinformação requer ver o público como parte da solução e não como um possível obstáculo a ser superado.
Nicholas B. Dirks, ex-reitor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, é presidente e CEO da Academia de Ciências de Nova Iorque
Copyright: Project Syndicate, 2023.
www.project-syndicate.org