Opinião

O hospital mais caro é aquele que falha

O hospital mais caro é aquele que falha

Mónica Amaral Ferreira

Investigadora do Instituto Superior Técnico, especialista em risco sísmico

Após um sismo, mesmo um de magnitude mais moderada, os edifícios podem não sofrer danos estruturais, mas surgir danos não-estruturais que impeçam a sua ocupação e funcionamento imediato. No caso de um hospital, que é um edifício crítico, significa que poderá não garantir a função para a qual foi concebido: salvar vidas

Após um sismo, os impactos diretos na população incluem alta mortalidade, especialmente por trauma, mas também por asfixia, inalação de poeira e gases tóxicos e hipotermia. O que se espera então dos serviços de saúde no pós-sismo? Que sejam capazes de responder nas primeiras 48 horas após o evento, pois 95% das pessoas resgatadas de prédios colapsados são salvas nesse período, se tiverem apoio médico.

Estas necessidades são elevadas nas primeiras semanas pós-sismo e variam desde tratar cortes, contusões e fraturas simples a fraturas múltiplas graves, lesões internas e síndrome de esmagamento que requerem cirurgia e cuidados intensivos. A resiliência das instalações de saúde, e particularmente dos hospitais, durante e após os sismos, é uma componente crítica para salvar vidas e reduzir doenças na população afetada.

Assistimos, todos os anos a centenas de hospitais e instalações de saúde que ficam destruídos ou danificados por fenómenos naturais, como sismos, furacões e inundações. Danos nas unidades de saúde primários durante desastres podem causar sérias interrupções de funcionamento da infraestrutura de saúde pública e dos sistemas nacionais de saúde, por vezes deixando populações inteiras sem acesso adequado, durante meses, a cuidados primários de saúde cruciais, a cuidados de saúde maternoinfantil, bem como pode verificar-se um aumento do risco de epidemias.

Em 2009, após o sismo de L’Aquila, em Itália, o Hospital San Salvatore di Coppito, constituído por 15 edifícios, ficou 90% inoperacional (apenas 2 salas de cirurgia a uso), devido essencialmente a danos ao nível não estrutural (quedas de tetos falsos, queda do revestimento exterior das paredes, problemas na rede elétrica, etc.).

Os elementos não estruturais (chaminés, fachadas envidraçadas, tetos falsos, paredes divisórias, varandas, conteúdos e elementos decorativos, equipamentos, sistemas mecânicos, elétricos e condutas) representam cerca de 70% do custo total de um edifício habitacional. Para um hospital representam cerca de 90% dos custos totais de construção. A maioria dos serviços hospitalares e atividades dependem deles. Estes são também os mais frágeis durante um sismo.

O sismo que todos estamos a seguir na Turquia causou colapsos em muitas unidades hospitalares ou danos estruturais e não estruturais que os tornam inoperacionais. No entanto, temos notícias de pelo menos três hospitais que continuam a funcionar, nas áreas afetadas, devido à inclusão de “isolamento de base” aquando da sua construção.

No caso de um edifício dotado com esta tecnologia, este é construído sobre uma camada de isolamento (como se fossem uns apoios em borracha) que quase o separa das componentes horizontais do movimento do solo. Quando ocorre um sismo, apenas essa camada de isolamento se move significativamente, enquanto o edifício tem um movimento muito atenuado, e desse modo não causa danos, permanecendo operacional.

Apesar de não ser obrigatória a sua utilização na regulamentação actual, o que a comunidade científica está a alertar é para que o futuro Hospital de Lisboa Oriental inclua sistemas de isolamento de base. Após um sismo, mesmo os de magnitude mais moderada, o edifício pode não sofrer danos estruturais (que comprometam a sua estabilidade e resistência), mas podem surgir danos não estruturais que impeçam a sua ocupação e funcionamento imediato. O isolamento sísmico tem a grande vantagem de ser uma solução que reduz os danos de ambos os tipos. Não será então melhor acautelar e projetar para que o edifício seja utilizável posteriormente, ou seja, para que garanta a função para a qual foi pensado: salvar vidas?

Estima-se que a inclusão de isolamento de base não tenha impacto relevante no custo do edifício, podendo inclusive reduzi-lo ligeiramente, pois o custo dos aparelhos de isolamento e da sua instalação pode até ser inferior ao que se poupa no resto da estrutura por via da redução das acelerações que o sismo transmite à estrutura. E o preço que pagamos pela perda dos hospitais quando ocorrem desastres é muito elevado.

A segurança é um direito e devemos garantir que as unidades de saúde estejam acessíveis e a funcionar, na sua capacidade máxima, imediatamente após a ocorrência de um desastre.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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