Opinião

Os pacifistas sonsos e o apaziguamento da Rússia

Os pacifistas sonsos e o apaziguamento da Rússia

Henrique Burnay

Consultor em Assuntos Europeus

Como os supostos pacifistas sabem perfeita e cinicamente, a paz sem travar a Rússia é a rendição da Ucrânia e o suicídio dos ucranianos. Mas soa melhor. Parece mais preocupado

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia e a guerra começou que há quem defenda a Ucrânia, quem defenda (mais ou menos disfarçadamente) a Rússia, e quem diga que defende a paz.

Por que razões se defende a Ucrânia é mais ou menos evidente. Porque foi um país invadido. Porque não houve nenhuma provocação. Porque mesmo que a adesão à NATO pudesse ser considerada um desafio, não estava na iminência de acontecer. Porque se a Rússia puder invadir e ocupar o que entender, não há segurança nas fronteiras da Europa.

Por que se defende a Rússia também é claro. Porque a Rússia é a anti-América, para os que ainda não saíram da derrota na Guerra Fria. Porque a Rússia é a encarnação dos valores conservadores e religiosos, na cabeça de quem confunde uma religião que defende o amor e a humanidade com a obsessão pela sexualidade dos outros. Porque a Rússia paga. (Na Alemanha, isso parece ser um verdadeiro problema. Sobretudo entre a espionagem. Noutras paragens, não se conhece.)

O que é mais difícil de entender é o discurso dos que dizem defender a paz. Primeiro, porque parece pressupor que há quem não a prefira. Ora, os ucranianos e os seus aliados só não defendem a paz porque não podem. Como os supostos pacifistas paz sabem perfeita e cinicamente, se os ucranianos não combaterem são invadidos, dominados e mortos. Portanto, defender a paz sem conseguir antes travar a Rússia é o mesmo que defender a rendição da Ucrânia e o suicídio dos ucranianos. Mas soa melhor. Parece mais preocupado.

Esses defensores da paz são normalmente os mesmos que falam de risco de retaliação russa de cada vez que a Ucrânia tem um sucesso militar ou recebe apoio de um aliado. Retaliação? Retaliar é responder a uma agressão. Aqui o único agressor é a Rússia. Que não retalia. Ataca sem ter sido provocada.

Como é óbvio, estes pacifistas não defendem a paz, defendem o fim da guerra pela submissão da Ucrânia. Porque é nisso, no direito da Rússia a ter Estados vassalos, que acreditam; e é isso, a reabilitação da potência russa, que pretendem. E, para nos enganar, alimentam a tese da culpa da NATO.

Quando se diz que a culpa da guerra está nos avanços da NATO para leste esquece-se que a NATO só é uma ameaça na perspectiva da Rússia se a Rússia pretender manter uma espécie de direito de potência e, mais especificamente, de potência alternativa ao ocidente. Se não, qual é a ameaça que a NATO representaria? A NATO, que convidou a Rússia a ter uma parceria?

A resposta está, obviamente, em Moscovo. No que a Rússia mudou e não mudou depois do fim da Guerra Fria.

A BBC2 já emitiu dois dos três episódios de Putin vs the West. A série documental é um retrato extraordinário de Putin, dos líderes ocidentais e de como chegámos aqui. Não foi por falta de aviso do próprio Putin. Não foi porque o Ocidente provocou a Rússia. Não foi porque a Rússia tinha uma promessa de que a NATO não lhe chegaria à porta (essa história já foi ampla e claramente desmentida). Foi porque o Ocidente tratou a Rússia como um entre iguais, que não era. Foi porque não se mostrou unido e decidido quando Putin ameaçou, enganou e interveio na Síria sem dó, vergonha ou piedade. Foi porque a resposta à invasão da Crimeia, foi tíbia. Foi porque Putin quer ficar para a História como um grande estadista, a sua ideia de grande estadista é o exercício brutal do poder e o Ocidente andou entre o apaziguamento e a concessão. Quando foi a última vez que um líder ocidental fez frente a Putin? Pois.

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