Opinião

Cancro: o ciclo infinito da re-inovação

Cancro: o ciclo infinito da re-inovação

Maria Rita Dionísio

Médica oncologista

Urge a ativação real da Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro, como forma de garantir a atuação integrada de todos os atores da saúde no nosso país, impulsionando uma colaboração com propósito. A responsabilidade é poder

Ciclo celular: onde tudo começa. Porque ele acontece, inicia-se um ser humano e todo o seu potencial. Mas quando acontece de forma descontrolada e desregulada, pode, por vezes, resultar em cancro. Nesse momento o ser humano vê-se desafiado a uma jornada desconhecida cujo resultado pode ser ou não de cura, mas que deve ser nutrida por uma equipa multidisciplinar, num ecossistema seguro para veicular as melhores oportunidades ao doente. A inovação é caminho, princípio e meta e a esperança o alimento necessário para que o tempo permita que em alguma bancada de laboratório, em algum centro de ensaio clínico, uma nova opção possa ser o caminho.

Na próxima década prevê-se um aumento drástico do número de casos de cancro. Qual é o compromisso da nossa sociedade para que o espectro de tendências mutáveis, fatores que estão nas nossas mãos alterar, possa mudar as previsões?

No recente relatório Perfil do Cancro em Portugal, um instrumento do Registro Europeu de Desigualdades do Cancro que se enquadra no Plano Europeu de Combate ao Cancro, pode ler-se que, em 2019, um terço de todas as mortes no país foram atribuídas a fatores de risco comportamentais (tabagismo, hábitos alimentares, consumo de álcool, baixa atividade física) e ambientais. No entanto, os nossos gastos com prevenção enquanto parte da despesa corrente com a saúde (1,9%) estava entre os mais baixos da UE em 2020, e bem abaixo da média da UE (3,4 %).

É imutável que nascermos XX e não XY nos torna mais propensos a cancro da mama, é certo, mas não é imutável que cabe a cada um de nós agir para construir um futuro cada vez mais promissor para as pessoas com cancro e suas famílias.

A Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro 2021-2030 foi tornada pública em 2022 tendo inclusivamente passado por consulta, permitindo contributos de toda a sociedade. Ouvimos já do Ministro da Saúde o anúncio do alargamento do programa de rastreios oncológicos aos cancros do pulmão, da próstata e do estômago, assim como uma atualização dos programas existentes, prevendo que, no caso do cancro da mama, passem a ser incluídas mulheres mais jovens e mais velhas do que as abrangidas no atual despiste da doença. Porém, a deteção precoce é apenas um dos pilares desta estratégia, que também inclui prevenção, diagnóstico e tratamento.

Cumprir os dois objetivos gerais delineados: promover estilos de vida mais saudáveis ​​através de intervenções multissetoriais para reduzir os cancros evitáveis; e melhorar a sobrevivência e qualidade de vida das pessoas com cancro, têm de ser compromissos de todos nós. Dos decisores aos cidadãos, devemos refletir sobre como nos comprometemos a contribuir para mudar esta realidade.

Urge a ativação real desta estratégia, como forma de garantir a atuação integrada de todos os atores da saúde no nosso país: academia, instituições da saúde, associações de doentes, profissionais de saúde, indústria farmacêutica, impulsionando uma colaboração com um propósito maior. A responsabilidade é poder.

Somos todos parte da solução no ciclo infinito da re-inovação indispensável no cancro, mas é preciso que nos encontremos no mesmo espaço e tempo de ideias e sermos capazes de torná-lo num ciclo novo da esperança. Porque por cada doente tudo vale a pena. E 10 anos é muito tempo para ficar tudo na mesma.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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