Moedas ficou politicamente atado ao pelourinho, abandonado pela Igreja, vítima dos ziguezagues comunicacionais de Marcelo e com o Governo calado a descansar banhado em felicidade, porque este tema matou os anteriores que tinham todos a ver com o PS e o Governo
Os media têm hoje em dia, no seu modelo de negócio, a necessidade de que haja, sucessivamente, sempre um tema que explore ou incentive a revolta ou a indignação. E se um começar, os outros não têm como evitar continuar.
O tema mais recente tem sido o já famoso palco em Beirolas para a Jornada Mundial da Juventude (em sigla JMJ, mas apesar disso nada tem a ver comigo…).
Foi dita e escrita muita coisa, mas creio que se justifica um resumo, com as minhas conclusões. E faço isso hoje, antes que o tema passe de moda.
Vamos a isso e também a outros temas.
MOEDAS ATADO AO PELOURINHO
Quanto ao famoso palco, há que dizer que é simplista de mais isolar isso do restante na JMJ.
Mas, para começar, é óbvio que Carlos Moedas cometeu um erro comunicacional que se tornou político: quanto a isso apenas de si pode queixar-se.
Realmente deveria ter feito já em 2022 uma conferência de imprensa a anunciar o estado das coisas, a revelar que herdara a JMJ do mandato anterior, que em mais de 2 anos quase nada fora feito, quanto iria custar e que vantagens – além das espirituais, que a descristianização crescente nem considera – a JMJ traz para o País e para a região de Lisboa.
Se o tivesse feito, ver-se-ia que isto é um não-assunto. Ou, se fosse, era um assunto criado pela Igreja Católica Portuguesa, pelo Governo e pelo Presidente da República, com o entusiasmo de 2019 e a desatenção a seguir, em que os novos presidentes de Lisboa e de Loures estão a tirar as castanhas do lume.
Seja como for, Moedas ficou politicamente atado ao pelourinho, abandonado pela Igreja, vítima dos ziguezagues comunicacionais de Marcelo e com o Governo calado a descansar banhado em felicidade, porque este tema matou os anteriores que tinham todos a ver com o PS e o Governo.
E não deveria ter ficado sozinho, desde logo porque o projeto JMJ vai custar entre 85 milhões e 160 milhões euros, sendo a diferença (por definir) o máximo daquilo que a Igreja irá assegurar (com inscrições pagas por peregrinos, doações de mecenas e voluntariado incluindo de famílias, instituições e empresas que vão hospedar muitos dos que vêm de fora).
O PALCO E OS DESCONHECIMENTOS
As críticas foram despoletadas e são as seguintes:
a) Uns poucos acham mal que se faça a JMJ,
b) outros que seja em Lisboa,
c) outros ainda criticam que um Estado laico apoie um evento religioso, e
d) alguns mais só desejariam que não se gastasse tanto.
Para contextualizar e em relação à CML, vejam nos vossos ecrãs um mapa comparativo de vários apoios da CML, que é muito claro e foi divulgado num grupo de WhatsApp de que faço parte que acredito que seja rigoroso.
Seja como for, o palco (curiosamente, a informação enviada por alguém para os media há uma semana falava de um altar…) tornou-se num abcesso de fixação, apesar de corresponder apenas a 15% do investimento da CML, 6% do investimento público e 3% do investimento máximo para a JMJ.
A questão política essencial parece ser, basicamente, saber quanto custaria o palco, respeitando as especificações da Igreja (que há que reconhecer que parecem megalómanas), e quanto resulta de eventual megalomania adicional da SRU e da teoria de que o palco deve ficar para o futuro.
É provável que pudesse ficar mais barato, se a opção fosse para servir apenas uma vez. José Sá Fernandes (JSF), uma espécie de comissário do Governo para a JMJ, afirma que custaria cerca de metade.
É duvidoso que JSF seja fiável:
a) Ficou evidente que não tem nenhum estudo feito com base nas especificações e complexidades do terreno de um aterro sanitário, que contribuiu para eleger;
b) a providência cautelar com que bloqueou o Túnel do Marquês há cerca de 20 anos, e que obrigou em 2008 a CML a pagar quase mais 18 milhões de euros ao construtor, revela que é muito mau a calcular a relação custo/benefício; e, além disso,
c) confessou há dias que, em nome do Estado, adjudicou a construção de toilettes e de torres para o recinto e aluguer de painéis multimédia por quase 8 milhões de euros, mais IVA.
Sabe-se hoje que o valor do palco foi resultado de projeto elaborado pela SRU (CML), presidida por António Lamas. Ele é, segundo parece, quem faz o contacto regular com a Igreja e com o Estado.
Há quem diga que Lamas é um pouco megalómano e centralizador, mas eu sei que é muito profissional e competente.
Não me passa, por isso, pela cabeça que por um lado deixasse que os seus serviços desenhassem um projeto que não fizesse sentido e que a Igreja e o Governo não tivessem sido informados dos valores e ainda mais quando terá conseguido reduzi-los muito em negociação.
Ou seja, tudo indica que a história não está a ser bem contada e talvez Lamas possa ajudar a perceber tudo melhor.
Eu sei que Moedas disse que assumia todas as responsabilidades; mas a minha experiência revela que no mundo da Política ninguém faz esse tipo de afirmação se a responsabilidade assumida for realmente toda dele…
O OUTRO (HORRÍVEL) PALCO
Para finalizar o tema, e segundo li no domingo, acho que Moedas terá encontrado uma boa solução: a SRU acha mal há muito tempo gastar num palco no Parque Eduardo VII mais de 2 milhões de euros (que com derrapagens e IVA facilmente chegará a 3 milhões) para servir só na JMJ.
O projeto do palco (horrível, aliás) que surge nos vossos ecrãs, terá sido proposto pela Igreja e rejeitado pela SRU:
D. Américo de Aguiar, o Bispo coordenador da JMJ, afirmou que “se existirem coisas que podem ser eliminadas para reduzir o custo, pediremos para serem eliminadas, como é óbvio”.
Por isso, se for transferido para o palco de Beirolas o que se faria no Parque Eduardo VII poderá informar o Vaticano de que teve sucesso e tudo terminará bem, conseguindo ainda que se respeite o “caderno de encargos” do Presidente da República de se apresentar uma “visão simples, pobre, não triunfalista”.
A DIREITA COMEÇA A MEXER-SE
Os Congressos da IL e do CHEGA, uma sondagem da Pitagórica que coloca o PSD à frente do PS, o Chega a aproximar-se dos 15% e a Direita sem o Chega com mais votos do que toda a Esquerda.
Estes são sinais que fizeram soar campainhas o que já permitiu uma aparente meia cambalhota de Marcelo, quase sugerindo eleições antecipadas para o outono do próximo ano.
A Direita passou por isso, e de repente, a estar na urgente ordem do dia e parece não estar condenada a esperar até 2026.
Mas eu acho que tudo isto tem muito de fogo fátuo:
(i) O Governo vai recuperar, e
(ii) O Presidente não vai querer arriscar.
Prova disso é que Marcelo destilou para o Expresso que só haverá eleições antecipadas se a Direita tiver 44% nas sondagens, sem o CHEGA, sabendo que isso é impossível a menos que Ventura decida emigrar ou assassinar alguém, o que não é nada provável…
Por isso a Direita deve acalmar o seu entusiasmo, o que só lhe fará bem.
Agora o que é inegável é que Montenegro está com sorte. Isso em tempos imemoriais significava que estava protegido pelos Deuses; mas é sempre a melhor forma de ter sucesso, pois o seu eleitorado assim começa a acreditar e a mobilizar-se.
Mas convém estar atento à aparente estratégia do CHEGA de entrada no sistema, tema a que voltarei talvez para a semana.
O ELOGIO
Ao Tribunal Constitucional pela sua decisão em relação à eutanásia. Apesar de ter sido declarada a inconstitucionalidade por 7 a 6 votos, é uma decisão equilibrada e sensata.
Gostei de ler a coragem de criticar a má técnica legislativa, detetar uma “intolerável indefinição”, e não aparentar na decisão uma motivação ideológica marcada.
Creio que da próxima vez será declarada a constitucionalidade da eutanásia; mas talvez tudo ainda dependa da opção da Assembleia da República entre um “e” ou um “ou” quanto ao “sofrimento físico, psicológico e espiritual”, o que prova o que sempre ensinei: o Direito é uma ciência linguística que exige o rigor no uso das palavras…
LER É O MELHOR REMÉDIO
Manuel S. Fonseca escreve muito bem e a sua editora (“Guerra e Paz”) é um instrumento de cultura que merece elogios.
Por isso esta semana arrisco sugerir a leitura do livro autobiográfico – que ainda não li - sobre a sua vivência juvenil em Angola, “Crónica de África”.
Uma outra visão, esta de memórias de João Van Zeller quando jovem adulto, e também muito bem escrito, é “Young Johnny - Lisboa e Luanda Anos 60” (Afrontamento).
Será curioso ler os dois ao mesmo tempo.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
O Presidente do STOP, André Pestana, foi claríssimo na linguagem que usou após ser recebido em Belém pela assessora para a Educação: se o Presidente escolher a “neutralidade”, na luta que o STOP hoje evidentemente encabeça, está a “escolher o lado do opressor”.
O populismo deste André não fica atrás ao do outro. Mas em termos político-sociais é muito mais perigoso, pois tem mais condições de sucesso.
Por isso as perguntas são:
a) será que o Presidente da República vai “escolher a neutralidade” perante o demagogo que se toma por líder anticolonial?
b) Será que a sua missão de assegurar o “regular funcionamento das instituições democráticas” permite que deixe subsistir a mais pequena dúvida de que não pode ser tolerada a transformação de uma luta sindical num movimento que em cada dia se revela mais insurrecional?
c) Será que ninguém percebe a razão da prudência dos comunistas que está a fazer com que Mário Nogueira pareça um líder sensato?
d) Será que ninguém quer entender que um André lança os foguetes e um outro irá apanhar as canas?
A LOUCURA MANSA
Um dos sinais mais evidentes do estado do País é o modo como (não) reagimos a notícias que nos envergonham como povo e nos devia fazer ter vergonha alheia por factos da responsabilidade de governos que elegemos, ainda que indiretamente.
O Expresso, e bem, fez na passada semana a seguinte manchete principal: “Portugal tem a maioria dos tanques Leopard inoperacionais”. São realmente dois terços (24 em 37) como a notícia aliás revela.
Não fosse a Guerra na Ucrânia e o movimento para enviar este tipo de tanques para lá, provavelmente nunca se saberia.
E, já agora, eles custaram 71 milhões de euros em 2008, pelo que 46 milhões de euros foram desperdiçados: qualquer coisa como 10 palcos iguais ao que causou uma semana de celeuma mediática.
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