Não me lembro do altar de Roma e foi a Jornada da minha vida
O sucesso da Jornada de Lisboa não depende do tamanho dos altares, mas do acolhimento, da água e da comida, por exemplo
Editora de Política
O sucesso da Jornada de Lisboa não depende do tamanho dos altares, mas do acolhimento, da água e da comida, por exemplo
Não me lembro do altar da Jornada de Paris-97, nem do de Roma-2000. Lembro-me muito bem do de Colónia-2005 e tinha memória que o de Madrid era muito bonito, mas precisei de fazer uma busca para me lembrar de como era mesmo. Mas lembro-me como as casas-de-banho era insuficientes em Paris, como tínhamos água à disposição em cada esquina em Roma, de como o Sol brilhava no Reno quando o Papa Bento chegou a Colónia e como, numa multidão que enchia as ruas de Madrid à volta de Cibeles, uns frades franceses me entregaram uma carteira que consegui fazer chegar a um escuteiro de Setúbal que não conhecia.
Lembro-me das jovens libanesas que, à porta da Ópera de Paris, perceberam que éramos portugueses porque pertenciam às Equipas Jovens de Nossa Senhora e recebiam CD de Portugal; de como servi de guia para os grupos portugueses que partilharam um bâteau-mouche com espanhóis e italianos numa noite parisiense e, sobretudo, como Madame Nicole nos acolheu – a mim, a outra portuguesa e a quatro italianos – durante quase uma semana em Sartrouville e nos mimou com pequenos-almoços e lanches noturnos. E ainda hoje consigo recordar a sensação de acordar no Hipódromo de Longchamps a sentir que estava a ser apertada. E estava: havia uma outra multidão que estava a chegar de manhã e já não havia lugar, pelo que o milhão de participantes (tinham previsto menos de um terço) teve de se espalhar pelo Bosque de Bolonha.
Lembro-me de ter rezado em Santa Maria Maior, de como o Rui partiu a perna a jogar à bola com os italianos em Ciampino, onde estávamos alojados, dos caixotes com comida que carregamos durante quilómetros até Tor Vergata – o campus entre Roma e Castel Galdolfo, onde decorreu a celebração final em 2000 - , de como lá os bombeiros nos regavam com as mangueiras dos carros que passavam entre as quadrículas cheias de jovens e poeira. E, quando penso num momento que mudou a minha vida, é da Jornada de Roma que falo.
Lembro-me da beleza da Catedral de Colónia e do relicário dos Reis Magos, de como usamos sacos do lixo para nos protegermos da humidade em Marienfield e de como fui até ao altar - uma espécie de nuvem suspensa em quatro estruturas de metal sobre um monte -, usando pela primeira e única vez carteira profissional numa jornada. E, como, no percurso encontrei o Daniel, que não via há anos.
Lembro-me da visita ao Prado em que fui advertida por estar a armar-me em guia para mais de seis pessoas, lembro-me das manifestações nas Puertas del Sol contra a Jornada e recordo os gafanhotos e a tempestade na vigília de Madrid e de como não comungámos na missa final e tivemos de ir à paróquia de acolhimento. E, claro, lembro-me dos banhos frios e ao ar livre em Roma e Madrid, das lentilhas em Paris, das massas em Roma, das salsinhas e salada de batata em Colónia.
Em cada jornada mundial da juventude, o que fica são as pessoas com que nos cruzamos, as experiências (mesmo as pouco agradáveis) que vivemos, os locais que conhecemos e a que podemos querer voltar. O que faz a diferença é ser recebido numa família ou num pavilhão, é conseguir ir à casa de banho sem estar uma hora na fila, é ter comida com fartura e água sempre à mão. E também conseguir ver o Papa ao vivo e a cores porque ficámos ali mesmo á beira de um corredor ou de uma rua onde passou. E, já agora, se conseguirmos ouvir e perceber alguma coisa que ele nos quer dizer ótimo, mas hoje em dia também conseguimos seguir a celebração no telemóvel e ter logo acesso ao que foi dito em várias línguas; há 20 anos só quando chegávamos a casa é que conseguíamos ler as homilias, isto se ainda guardássemos devoção e emoção para as ir procurar.
As boas ou más memórias que os jovens de todo o mundo vão levar de Lisboa têm muito mais a ver com tudo isto do que com o tamanho de um ou de dois altares que, claro, que têm de ter a dignidade necessária para as celebrações que vão decorrer e as condições próprias para a transmissão dessas celebrações nas televisões de todo o mundo e nos ecrãs gigantes espalhados na cidade e no Parque Tejo, mas estão longe de ser o mais importante de uma Jornada Mundial da Juventude. E devem ter em vista a comunhão que, como ouvi de um padre esta semana, é a forma máxima de comunicação, é o que deve marcar cada Jornada Mundial da Juventude e não existe sem aproximação, exige proximidade.
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