Opinião

Mais um escândalo de um Ministério que continua sem líder – é o Ministério do Amor e da Empatia

Mais um escândalo de um Ministério que continua sem líder – é o Ministério do Amor e da Empatia

André Fontes

Consultor e professor de Gestão de Talento e Liderança na Porto Business School e IPAM

Nunca se falou tanto de saúde mental como hoje. Nem de inteligência emocional. Ainda assim, 2022 foi, para o Merriam-Webster, o ano do Gaslighting – uma prática manipulativa que causa desorientação, falta de confiança, entre outras perturbações psicológicas. Trata-se de enganar alguém para proveito próprio, seja na esfera pessoal, seja nos negócios

O que é o Gaslighting?

A origem da palavra remonta a uma peça de teatro (e, mais tardem um filme) de 1938 que retrata a história de um homem que faz a sua mulher acreditar que está a ficar louca. Sem que a mulher veja, o marido baixa constantemente as luzes (na época, a gás) e, quando ela repara na baixa luminosidade, ele insiste que as luzes estão com a claridade habitual e que há algo de errado com ela por pensar o contrário.

Ou seja, há uma clara manipulação psicológica de uma pessoa durante um largo período de tempo. O suficiente para que a própria questione os seus próprios pensamentos, a sua percepção da realidade ou mesmo as suas memórias. Isto conduz a um sentimento de confusão, baixa confiança e auto-estima, bem como a instabilidade emocional e, consequentemente, à dependência do agressor.

Atualmente, o conceito de gaslighting tem um sentido mais lato e refere-se ao ato ou prática de enganar alguém deliberadamente, frequentemente em proveito próprio.

Como podemos identificar um praticante de gaslighting?

Maioritariamente através destes 5 sinais:

1. Faz constantemente promessas que não cumpre

2. Muda de conversa quando o assunto não lhe interessa e desvia a atenção para outra coisa (por norma, outro problema ou desafio)

3. Mente ou faz acreditar que a outra pessoa é que está com “paranóias”

4. Distorce a realidade e manipula (quando não mente)

5. Força a tomar decisões rápidas que não exigem muita deliberação (para que se consiga aproveitar)

E como nos podemos proteger do Gaslighting?

Pode dizer-se que o gaslighting é o lado negro da inteligência emocional – quando uma pessoa utiliza o seu conhecimento de emoções para manipular outra. Resulta especialmente bem quando é alguém familiar, que o gaslighter conhece bem. Quando somos vítimas aprendemos, regra geral, a perceber quando outros estão a tentar utilizar essa mesma técnica para nos manipular. É como se desenvolvêssemos um mecanismo de auto-defesa ou soasse um alarme emocional no nosso sistema.

A melhor maneira de nos protegermos deste tipo de pessoas com que “esbarramos” tantas vezes no nosso dia a dia, nos mais variados contextos, é trabalhar a nossa própria inteligência emocional, fortalecendo-a. Mas isso dá muito trabalho e nem todos estão dispostos a isso. O preço a pagar por não querer trabalhar a inteligência (emocional ou de outra natureza) é cair nas mesmas armadilhas vezes sem conta.

Nós temos esse problema coletivo. Os portugueses estão entre as maiores vítimas de Gaslighting pelo simples facto de se contentarem com o nível de inteligência emocional e segurança que têm. O sangue latino que corre e faz lembrar que “podia ser pior e deixar andar” é o mesmo que pulsa forte de revolta quando é enganado – na folha de ordenado, na mudança de carreira, na compra de casa, no acesso aos serviços. Somos filhos dos que ficaram em terra na época dos descobrimentos.

A falta de meritocracia e a mediocridade do português se nivelar por baixo em vez de querer ser bom como os melhores, não é mais que amor. Amor próprio, acima de tudo. E é por isso que é urgente amar para que nos consigamos também elevar enquanto sociedade. Não só amarmos a nós mesmos mas também a nossa cultura, as nossas empresas, o nosso país. Todos os problemas do mundo acontecem por falta de amor.

O que tem o fenómeno de Gaslighting a ver com amor se é precisamente o oposto?

O amor urge e importa ainda mais quando nos privam dele. Quando nos assombra uma guerra, nos atormenta um cenário pós-pandémico ou nos derruba uma inflação. E quando estas coisas acontecem, percebemos que interessa todo o tipo de amor – o que é pelas coisas, o que é pelas pessoas e até aquele que não é por algo tangível, como são os ideais ou as tradições.

Já dizia Eugénio de Andrade no seu poema:

É urgente o amor

É urgente o amor.

É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos,

muitas espadas.

É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer.

Este sentido de urgência é real. Talvez nunca tenha sido tanto como agora. Quando a realidade à nossa volta parece mais distorcida que nunca e as coisas – e os sentimentos – se confundem na pressa do dia-a-dia.

É (mesmo!) urgente estar presente. Só assim conseguimos perceber que não nos estão a baixar as luzes.

Que não estamos a ser enganados. Só assim é possível sentir o amor – aquele que é verdadeiro e altruísta, que se entrega sem estar à espera de receber nada em troca. Sem ser para proveito próprio ou com segundas intenções. Isto é tão urgente que pede medidas. É urgente criar um Ministério do amor. E não é tão descabido assim. Há uns tempos, se alguém dissesse que iriam ser criados postos de trabalho com pessoas responsáveis por ajudá-lo a encontrar o seu propósito e super poder e encontrar uma função na empresa onde possa explanar todo esse potencial – designadas de “Chief of Happiness” – também ninguém acreditaria.

Provavelmente é neste mesmo novo Ministério que cabe o “Chief of Love and Empathy”, alguém que garanta que as pessoas se tratem com respeito, empatia e consideração – os ingredientes base do amor.

As pessoas precisam de se sentir seguras, vistas, ouvidas e respeitadas. Devia ser simples.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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