Os números, como sabemos, podem ser capciosos, revelando apenas uma parte da verdade ou nem isso. Convém, pois, que sejam usados com cautela e sobretudo com seriedade intelectual. Foi o que não fez Daniel Oliveira no artigo “Quanta droga tiraram da rua os populistas”, em que traz à discussão números sobre o consumo de droga manifestamente desatualizados.
Como pessoa informada que é, Daniel Oliveira saberá que, infelizmente, os dados mais recentes dos organismos oficiais, como o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência ou o SICAD, apontam para um aumento do consumo de estupefacientes em 2021, para uma escalada das mortes por overdose (o valor mais alto desde 2009) e para um muito preocupante crescimento da adição de crack. À semelhança de outros países europeus, o consumo de drogas está a crescer em Portugal.
Não vou cometer a deselegância de classificar o uso seletivo de números que Daniel Oliveira notoriamente fez para caucionar as suas posições políticas, nem a atolambada evocação de uma conferência de imprensa que nunca existiu enquanto tal. Bem sei que o rigor é coisa fugidia quando se tem todos os dias de escrever vigorosamente sobre tudo e sobre nada, numa espécie de pronto-a-vestir da opinião. Apresentar dados de 2017 não é, convenhamos, o expediente mais sério para discutir um assunto tão importante como a droga, mas terá servido, neste caso, para alimentar a popularidade de Daniel Oliveira como maître à penser da esquerda radical.
Curiosamente, é de procurar a popularidade fácil que me acusa Daniel Oliveira, como se fosse popular reabrir a discussão sobre a criminalização do consumo de droga, um tema-tabu da política portuguesa. Mas a questão aqui não é de populismo, mas sim de responsabilidade politica. Ao contrário do colunista do Expresso, cujo poder é meramente tribunício, eu represento uma comunidade e tenho o dever de perceber quais são os seus legítimos interesses e defendê-los. Ou seja, tenho de atender àquilo que, num determinado momento histórico, mais convém e melhor serve a população do Porto.
Ora, não se me oferece qualquer dúvida de que, perante a situação que se vive na Pasteleira e Pinheiro Torres, é do superior interesse dos munícipes que seja inibido o consumo de estupefacientes na via pública, sobretudo em locais sensíveis como escolas, hospitais, parques infantis ou espaços de lazer. Há hoje uma verdadeira situação de alarme social no Porto, associada ao crescimento do consumo e tráfico de droga na via pública.
De resto, a proposta do Município do Porto para lançar um apelo ao Governo para que criminalize o consumo de drogas na via pública mereceu a aprovação de onze dos treze vereadores, concitando o apoio das forças moderadas do Executivo Municipal. Enfim, os nossos vereadores devem ser todos empedernidos populistas e muito desumanos…
Tal como nos números, o humanismo de Daniel Oliveira é seletivo. Sobre as vítimas colaterais do consumo e tráfico de droga nada diz. Os moradores que são assaltados quotidianamente, os idosos que evitam sair à rua com medo ou as crianças que convivem com seringas no recreio não merecem de Daniel Oliveira um grama da compaixão que afirma ter pelos toxicodependentes.
É verdade que os toxicodependentes são pessoas doentes, a viverem dramáticas situações de desestruturação pessoal e degradação da saúde. Merecem, por isso, a nossa solidariedade. Mas também é verdade que os toxicodependentes não são inimputáveis e há toda uma criminalidade relacionada com o consumo de droga que, com a atual legislação, tende a ser tratada com condescendência.
Os toxicodependentes dispõem no Porto de uma sala de consumo vigiado, financiada pela autarquia. Têm, pois, uma alternativa segura e higienizada ao uso de drogas no espaço público. A cidade está, aliás, bem dotada de técnicos, estruturas e programas de apoio aos toxicodependentes, designadamente no Centro Joaquim Urbano. O Município do Porto não pode, pois, com seriedade, ser acusado de inação e desumanidade perante os toxicodependentes.
É fácil exibir bons sentimentos, como faz Daniel Oliveira, quando o problema da droga não está à nossa porta. É fácil alardear humanidade quanto não se tem a responsabilidade de proteger a população local. É fácil ter o pensamento mágico de que tudo se resolve com apoio psicossocial, esquecendo que a toxicodependência é também uma questão de segurança. É fácil encolher os ombros sob o pretexto de que a droga é uma fatalidade das sociedades modernas, aceitando que o Estado se escude na atual legislação para fechar os olhos ao tráfico e consumo.
A mim e aos vereadores do Município do Porto cumpre-nos procurar uma solução. Ou, pelo menos, recursos que ajudem a atenuar o problema. Não é populismo – é responsabilidade política. Há que discutir, sem dogmas, uma política e uma legislação de combate à droga que tem mais de 20 anos!
O negacionismo dos danos colaterais da droga é, também ele, uma forma de populismo. Um populismo de esquerda que Daniel Oliveira tão bem representa e faz deste profissional da opinião um Louçã de fancaria, sem dimensão para mais do que a exibição beata da sua presumida superioridade moral.
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