Pai, para onde vão as horas que passam?
Em 2023 – e daí em diante – estaremos num “jogo de cintura” diário para descobrir o que é real ou não e, consequentemente, saber diferenciar (e apreciar) o que autêntico. Até que isso deixe sequer de importar?
Em 2023 – e daí em diante – estaremos num “jogo de cintura” diário para descobrir o que é real ou não e, consequentemente, saber diferenciar (e apreciar) o que autêntico. Até que isso deixe sequer de importar?
O ritmo a que a tecnologia avança chega a ser assustador. E avança precisamente no sentido de servir as ferramentas que permitem automatizar tudo à nossa volta e simular uma realidade virtual que se assemelhe ao contexto físico real. E não há volta a dar. É isso que está a acontecer com o tão badalado Metaverso – um mundo paralelo onde existimos e socializamos nos mais variados contextos sob a forma de avatarares ou hologramas.
Diria eu que, felizmente, ainda longe estão os tempos em que estaremos numa posição de não conseguir distinguir em que realidade nos encontramos, mas é esse o caminho. Por agora, os óculos de realidade virtual ainda pesam demasiado para nos lembrar que estamos noutro ambiente e muitos cenários ainda se assemelham aos de videojogos. Mas a tendência – e o objectivo dos gigantes tecnológicos a que nos rendemos diariamente – é precisamente o de fundir estas realidades e proporcionar um infinito mundo de possibilidades através do Metaverso.
E é aqui que permanece a questão da autenticidade – onde fica a oportunidade de ser autêntico? Importará sequer sê-lo?
O selo da autenticidade
Os sentidos, bem como as ações – sejam em que realidade for - serão sempre nossas.
É crucial ter isto presente: que a alienação do mundo presente para o virtual não deixe de responsabilizar as pessoas pelas suas ações nem as limite, no sentido de condicionar a sua liberdade (mesmo a criativa) a um determinado conjunto de funcionalidades disponíveis numa ferramenta ou tecnologia.
Isto é bem mais complexo do que parece. E está também relacionado com a pressão de cada um se sentir incluído ou excluído da sociedade, tendo em vista esta extensão virtual / digital.
E aqui também as empresas têm uma papel fundamental uma vez que – tal como os outros grupos sociais – personificam uma cultura, valores e características com as quais nos identificamos (ou não), seja em que dimensão for. É precisamente o fit e a segurança psicológica que temos com determinada empresa que nos permite ser autênticos no nosso dia a dia.
A cultura empresarial nunca teve tanto peso na atração e retenção de talento num contexto pós-pandémico em que se dá verdadeiramente valor ao propósito do trabalho e onde importa tanto mais para além do salário. A dimensão humana, a capacidade de trabalharmos de acordo com os nossos princípios, de sermos autênticos, é do que mais pesa na escolha quando a indecisão é a empresa A ou B.
Porque a autenticidade é, de longe, o modo de vida mais sustentável a longo prazo. Podemos conseguir aparentar outro tipo de personalidade, diferente do nosso, por algum tempo. Para impressionar num trabalho novo, porque ocupamos uma nova posição e queremos parecer mais autoritários do que na realidade somos, ou por qualquer outra razão. Mas, a longo prazo, a máscara cai. Quem somos, na nossa essência, acaba sempre por vir ao de cima, especialmente nas situações de conflito.
A importância da conexão para a autenticidade
Há quem tenha o “dom” de manter esta máscara por muito tempo. Como diria a socióloga Brené Brown não há maior inimigo da conexão, que a própria desconexão.
E todos temos receio de que, a determinada altura, esse inimigo nos bata à porta. Não queremos – e já não sabemos – estar desconectados. Mas confundimos, muitas vezes, conexão com controlo. Tentamos controlar o ambiente em vez de compreender a nossa relação com o mesmo, bem como tentamos contolar os sentimentos – adormecendo os maus – em nome do controlo que anda “mascarado” de conexão.
Há como que um inimigo próximo neste contexto (conceito também referido pela socióloga) que representa algo que é muito parecido, mas acaba por ser muito diferente. Por exemplo, o inimigo próximo de “Amor”, é o apego. Enquanto que o oposto de adição (drogas) não é sobriedade. O oposto é conexão.
A conexão connosco, com o ambiente que nos rodeia, com o presente. Porque estar drogado não é mais que estar alienado da realidade num determinado momento.
E este adormecimento coletivo é, de certa forma, o Estado da Nação atual potenciado pela realidade virtual de que tenho estado a falar. Estar “online” faz-nos sentir conectados, sem estarmos verdadeiramente. É um tipo de conexão que se torna uma inimiga próxima da autenticidade.
Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. - Alberto Caeiro
O paradoxo da autenticidade
A autenticidade tornou-se o padrão de ouro para a liderança, o que pode ser bom ou mau consoante a natureza da equipa e a cultura da organização. A transparência, enquanto característica essencial da autenticidade, tem esta vertente paradoxal: ou se gosta ou não.
E é por isso que muitos líderes resistem a serem autênticos. A ideia de serem eles próprios no contexto laboral é arriscada, especialmente se, por natureza, forem pessoas sensíveis, frágeis ou sentimentais. Muitos trabalham com equipas que não partilham as mesmas normas culturas ou que têm diferentes expetativas. A escolha recai em decidir entre o que é esperado – e mais eficaz – e o que é autêntico.
Num mundo em que temos a nossa identidade em constante exposição através das redes sociais e outros meios, a forma como nos apresentamos – não apenas como executivos, mas como pessoas – tornou-se um fator crucial e especialmente relevante quando se trata de causar uma primeira impressão. Vulnerabilidade é força.
O ideal será evoluir para uma forma "adaptivamente autêntica" de liderar que requer um estado de espírito lúdico e experimental.
Assim, voltamos onde começamos: para começarmos a pensar como líderes, devemos primeiro reconectar connosco e com a realidade. Procurar a autenticidade através da ação: mergulhar em novos projectos e actividades, interagir com tipos de pessoas muito diferentes, e experimentar novas formas de fazer as coisas.
Especialmente em tempos de transição e incerteza, o pensamento e a introspecção devem seguir a experiência - e não o contrário. A acção muda quem nós somos e o que acreditamos que vale a pena fazer. Não percamos tempo em 2023. Para onde vão as horas que passam?
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