A invasão da Rússia à Ucrânia e os pedidos de adesão da Ucrânia, Moldávia e Geórgia vieram trazer novo fôlego à discussão sobre o alargamento após quase uma década de estagnação. Para além de conceder o estatuto de candidato a dois novos países a leste, este novo contexto geopolítico tem também levado a UE a acelerar a sua ação e a demonstrar o seu compromisso para com os países candidatos nos Balcãs. No verão, após anos de bloqueio, a UE finalmente abriu as negociações de adesão com a Macedónia do Norte e a Albânia, e mais recentemente, na última Cimeira do ano, os líderes atribuíram o estatuto de candidato à Bósnia-Herzegovina. Mas o que é que este novo ímpeto em prol do alargamento da UE vem efetivamente mudar?
O problema com a nova retórica entusiasta sobre o alargamento prende-se com a falta de clareza no discurso dos líderes da União face aos obstáculos que têm vindo a caracterizar os diversos processos de adesão nas últimas décadas. O atual momento geopolítico trouxe um novo propósito ideológico ao alargamento da UE, mas nenhum esclarecimento concreto sobre como resolver os bloqueios de longa data que conduziram à estagnação.
Estes obstáculos devem-se não só à falta de progresso dos países candidatos em conduzir as reformas necessárias mas também à própria ambivalência da UE em relação à política de alargamento. Basta recordar que o último país que aderiu à UE foi a Croácia em 2013 e que a maior parte dos países da região fez o seu pedido de adesão há quase duas décadas. Por exemplo, este novo ímpeto não tem sido acompanhado de um debate público na UE entre os proponentes do alargamento e os países mais céticos. Entre os que defendem que é um imperativo geopolítico da UE alargar a países a leste e os que acreditam que a UE deve parar com uma lógica de expansão sem fim. Estas divergências são recorrentes no Conselho Europeu de cada vez que é chamado a deliberar sobre as diferentes fases do processo das negociações dos diferentes países.
Nos últimos anos, testemunhámos vários casos em que os processos de adesão foram paralisados devido à resistência de determinados estados membros da UE. A Macedónia do Norte é o caso mais flagrante: levou a cabo enormes esforços para satisfazer exigências gregas — incluindo a realização de um referendo nacional e a mudança do seu nome e bandeira oficiais — para logo depois se confrontar com a oposição francesa (em 2019) e búlgara (em 2020), por motivos que nada tiveram a ver com o processo em si.
Por estes e outros motivos, instalou-se, no país, uma enorme descrença no processo de alargamento e a narrativa de que a UE perdeu a sua credibilidade e o seu poder transformador na região. Como tive a oportunidade de constatar recentemente numa viagem de trabalho a Skopje, há falta de ânimo e de confiança nos líderes europeus e na política europeia pois muitos nos Balcãs não viram até agora as promessas europeias traduzidas em ação. Perante tudo isto, a grande questão que preocupa muitos em Bruxelas e na região, é se todas estas promessas à Ucrânia, e outros países associados não passam de gestos simbólicos num contexto de guerra.
É compreensível que a UE encete todos os esforços possíveis para aproximar a Ucrânia do espaço e instituições euroatlânticas. O imperativo geopolítico e geoestratégico é difícil de ignorar. No entanto, dificilmente a UE poderá criar condições especiais, ou mesmo uma lógica acelerada apenas para a Ucrânia, sem levar por arrasto os restantes países candidatos. A política de alargamento não pode evoluir a diferentes velocidades, priorizando uns e relegando outros indefinidamente para a “sala de espera”. Em vez de gerar expectativas que a UE poderá não ser capaz de satisfazer num futuro próximo, os líderes das instituições e dos estados membros deveriam imprimir mais honestidade e realismo no discurso sobre a sua própria ambivalência face ao alargamento. Tal implica uma reflexão mais profunda sobre a política de expansão da UE que não se pode circunscrever apenas à Ucrânia. Implica igualmente encontrar um novo consenso entre os estados membros sobre os limites da UE, o peso das considerações geopolíticas, a “capacidade de absorção da UE” e a reforma institucional necessária para ampliar ainda mais. Reconhecer abertamente que estes impasses existem poderia contribuir para restabelecer alguma credibilidade ao processo.
A necessidade de resolver a ambivalência europeia face ao alargamento torna-se ainda mais premente considerando que a ação dos países no Conselho é sobretudo motivada por considerações de política e agendas internas. Como resultado, não podemos separar as discussões sobre o alargamento da UE do aumento do populismo e extrema-direita nos estados membros. Com líderes populistas e eurocéticos a ganharem cada vez mais votos nas eleições legislativas dos vários países europeus (Itália, França, Suécia, etc.) tornar-se-á mais difícil “vender o alargamento” a populações cada vez mais polarizadas, nacionalistas e protecionistas. Cabe também aos líderes políticos colocar estes temas nas agendas e debates nacionais, contribuindo para esclarecer os respetivos eleitorados sobre a relevância geoestratégica da adesão dos países candidatos — se for esse o consenso Europeu.
No contexto da agressão da Rússia à Ucrânia e de um novo propósito para a política de alargamento, a União será cada vez mais pressionada a responder à pergunta: se não agora, quando? Perante esta nova realidade, os líderes europeus devem esclarecer urgentemente não apenas se e quando, mas também como é que o alargamento acontecerá.
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