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Transparência ou corrupção? Eis a questão

Porque é que atividade ainda não está regulada em Portugal? Como se explica que não existam regras que obriguem ao registo de todas as interações entre empresas, associações ou dos seus representantes com os decisores públicos? A falta de transparência abre espaço à corrupção e este vazio legislativo em Portugal é uma entropia ao investimento estrangeiro

“A democracia europeia está sob ataque”. Foi desta forma que que Roberta Metsola definiu o esquema de corrupção para beneficiar o Catar e que levou à detenção da vice-presidente do Parlamento Europeu Eva Kaili, fazendo estremecer a credibilidade de uma instituição que vive, já por si, um dos momentos mais desafiantes da sua existência.

O tema da transparência voltou a ganhar destaque na opinião pública e na agenda política. Motor da democracia, a transparência - ou neste caso, a sua ausência - regressa e a abala o sistema que melhor representa as vozes e os interesses de todos os cidadãos.

O mais recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre “Ética e Integridade na política” revela que apenas 54% dos europeus estão satisfeitos com a democracia, que apenas 17% confiam nos seus partidos políticos, 34% confiam no Parlamento e apenas 32% no governo eleito. Estes números, cujos valores têm vindo em decréscimo ao longos dos últimos 20 anos, colocam em causa a confiança dos cidadãos nos representantes políticos, em quem se deveriam sentir efetivamente representados, fragilizando assim um dos pilares mais críticos e estruturantes da coesão democrática.

A falta de transparência abre espaço à corrupção. E a transparência só é possível existindo regras que estabeleçam princípios para as relações necessárias entre grupos organizados, de natureza cívica ou privada, e os decisores públicos.

Qual a situação atual em Portugal? A proposta legislativa para regular a atividade do lobbying foi aprovada na Assembleia da República em junho de 2019, com votos a favor do PS e do CDS, e abstenção do PSD. No entanto, o decreto aprovado foi vetado pelo Presidente da República, com o fundamento de existirem três lacunas essenciais.

A primeira, o facto de não serem exigidos às empresas de lobbying para efeitos de registo todos os interesses representados, mas apenas os principais. A segunda, o facto de não se prever uma declaração obrigatória das remunerações recebidas pelos representantes de lobbying registados. E a terceira, o facto do diploma não prever a sua aplicação ao Presidente da República e aos Governos Regionais.

Entretanto, o diploma voltou para a Assembleia da República em 2020, tendo sido votado na generalidade o parecer do relator em janeiro de 2021, com propostas do PAN, PS e outra do CDS. No entanto, em novembro do mesmo ano, o bloco central declarou sentença executória à regulação do sector, propondo o adiamento do processo legislativo. Um ano passado, adiado continua.

Sejamos claros: a atividade de lobbying ou public affairs existe, está viva e é praticada de forma expressiva por diferentes atores em Portugal. É com base nestas premissas que é tão urgente colocar o tema da legislação do lobbying no centro do debate político nacional. A história recente do nosso país está povoada de “catargates”, e assim continuará enquanto não for claro e exigido, acima de tudo pelos cidadãos, que criar canais de comunicação com o legislador ou com os decisores públicos é uma prática natural e com resultados benéficos para toda a sociedade, desde que esta ocorra de forma transparente.

A questão é: porque é que atividade ainda não está regulada em Portugal? Quem são realmente os interessados em que não existam regras que obriguem ao registo de todas as interações entre empresas, associações ou dos seus representantes (advogados, agências de comunicação ou agências de lobbying) com o Governo, Parlamento, ou Presidência da República? Esta ausência de um lastro só potencia o risco de atividades ilícitas, protege a corrupção e fragiliza os que pretendem contribuir para o bem comum.

A União Europeia conta com registos de transparência para atividades de lobbying junto da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu. É esta “pegada legislativa” que será (ou terá sido) fundamental para se conhecer este e outros “catargates” e que, ainda mais relevante, o comprovem.

No final de abril do ano passado, a obrigação de um registo de transparência foi alargada ao Conselho da União Europeia, registe-se, durante a Presidência Portuguesa. Segundo a plataforma LobbyEurope, Portugal faz parte do grupo dos sete Estados-Membros da União Europeia que não têm qualquer regulação para o lobbying, a par do Luxemburgo, a Hungria, a Eslováquia, a Estónia, Malta e Grécia.

Estabelecer um sistema de regulamentação do lobbying é um sinal de amadurecimento democrático. Este vazio legislativo do lobbying em Portugal cria insegurança nos investidores e é uma entropia ao desenvolvimento económico. Se queremos verdadeiramente aumentar a atratividade do investimento estrangeiro, temos de provar ser também um país que oferece confiança e segurança no processo legislativo, com boas práticas na construção de políticas públicas. Não deveria ser esta uma ambição e uma prioridade politica da Assembleia da República, do Governo e da Presidência da República?

O lobbying sempre existiu, existe e existirá. Regulado é bom, e faz muita falta.

Rita Serrabulho é sócia da Agência de Assuntos Públicos Political Intelligence Lisboa

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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