Portugal é o segundo país da UE que mais utiliza o carro como meio de transporte e diminuiu nos últimos dez anos a percentagem de pessoas que não o utiliza. Esta minoria (que totaliza cerca de 3.5 milhões de pessoas) utiliza os transportes públicos, a bicicleta ou até o seu próprio pé para fazer as suas deslocações.
Seja por preferência pessoal, por não ter meios económicos para outra opção ou por compromisso com o clima, é seguro e necessário dizer que estas pessoas fazem a escolha certa: (i) contribuem para reduzir a importação de combustíveis em Portugal que, como aprendemos em 2022, apoia não raras vezes economias de regimes corruptos e autoritários assim como desequilibram a balança comercial portuguesa eliminando os ganhos do crescimento das exportações das empresas portuguesas, (ii) contribuem para reduzir as emissões de CO2 do país e (iii) contribuem para reduzir a poluição nas cidades portuguesas que têm apresentado níveis acima do tolerado pela OMS, responsáveis por cerca de 6000 mortes prematuras em Portugal e um custo de 860 milhões de euros só em Lisboa e Porto.
Para quem não utiliza carros a combustão e que opta pelos transportes públicos, pela mobilidade pedonal, ciclável ou até elétrica, a perda de €1.487 milhões em receita fiscal ao subsidiar o preço de venda dos combustíveis fósseis tem um ônus fiscal em 2022 equivalente a 423 euros por cada uma dessas pessoas. Assistimos à terrível invasão da Ucrânia e à desestabilização dos mercados globais de petróleo e gás que levou um país como Portugal, altamente dependente da importação de combustíveis fósseis para o sector dos transportes, a desenvolver uma expectativa de ver o governo suspender e aliviar impostos sobre os combustíveis.
Normalizamos a intervenção estatal no mercado e a subsidiação do custo dos combustíveis fósseis, sem quaisquer critérios de necessidade económica ou de inexistência de alternativas ao transporte individual, ao contrário das recomendações da OCDE, que sugere que estas medidas para além de temporárias sejam direcionadas às famílias e empresas mais vulneráveis. Os atuais descontos de 27 e 25 cêntimos no gasóleo e gasolina respectivamente levaram no domingo passado o preço dos combustíveis a atingir um valor mais baixo que antes da invasão da Ucrânia.
Se neste momento o governo eliminasse estes descontos ou só os assegurasse para grupos vulneráveis da sociedade, os preços de venda voltariam aos valores de julho/agosto de 2022, ainda assim €0,29/l abaixo dos máximos alcançados em junho. Essa eliminação deveria garantir que a receita fiscal de até €1.487 milhões recuperada fosse investida em criar uma mobilidade de futuro que libertasse os portugueses da dependência dos altos custos ambientais e económicos dos combustíveis fósseis através da criação de um sistema de mobilidade neutra em carbono eficiente e aplicando os melhores exemplos europeus.
Esses €1.487 milhões poderiam financiar o equivalente no PRR a 5 expansões da Linha Vermelha do Metro de Lisboa (€304 milhões) ou 5 linhas Casa da Música-Santo Ovídio no Metro do Porto (€299 milhões), 6 linhas do Metro de superfície de Odivelas a Loures (€250 milhões), 22 BRT Boavista - Império no Porto (€66 milhões) e 30 frotas de 145 autocarros novos e sustentáveis cada uma (€48 milhões) ou, claro, uma combinação estratégica e intermodal de tudo isto e não só nas duas Áreas Metropolitanas.
O sector dos transportes é hoje a maior fatia das emissões de CO2 em Portugal, representando 28% do total de emissões e em crescimento desde 2013. Fica a pergunta para €1.487 milhões: o que mais ajuda os portugueses com os custos dos transportes: descontos de cêntimos nos combustíveis que causam a crise climática e déficit comercial ou mobilizar esses descontos de milhões de pessoas para criar um modelo de mobilidade em Portugal que nos liberte a todos da dependência da gasolina e do gasóleo da maioria?
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