Opinião

A obsessão pelo PIB

Aparece-nos agora a lengalenga de que os países do leste europeu vão passar Portugal no PIB. Importaria que cada um dos que enche o discurso com tal proclamação se deslocasse à Roménia, à Hungria, à República Checa, à Eslováquia e visse, com os seus olhos, o que lá se passa

Há cerca de duas décadas, a grande comparação que se fazia, para situar Portugal no contexto Europeu, era com a Irlanda. A maior parte dos que falavam sobre essa realidade comparativa nunca tinha ida à Irlanda, muito menos à Irlanda profunda e rural.

A comparação era, tão só, entre crescimentos do Produto Interno Bruto (PIB), entre uma realidade esdrúxula de um país que fala inglês, que tem uma diáspora com grande potencial financeiro, que se situa na Europa como uma porta giratória de capitais e serve como grande offshore para as gigantes tecnológicos.

A crise de 2008 demonstrou o quão frágil é esta economia irlandesa. Está claro, passada a crise, o crescimento voltou e aos dois dígitos, como que implicado por um aquecimento fantástico dos fundamentais desta economia.

Mas o mais irreal de tudo, implicado pelo tal indicador PIB, é que a Irlanda consegue situar-se, no Indicador de Desenvolvimento Humano (IDH), um lugar acima da Alemanha, demonstrando a fragilidade de todos os rankings construídos com base em artefactos estatísticos desatualizados.

Mas há uma outra circunstância que importa avaliar quando se faz uma análise entre países – a renda bruta per capita. Ora, a Irlanda é hoje uma dos países mais afastados na relação entre a base e o topo dos salários, o salário médio desdiz a realidade vivida de cerca de dois terços dos irlandeses.

Acontece que os outros dois elementos, para além do PIB e que constroem o IDH, são a expectativa de vida ao nascer e os anos esperados de escolaridade. E é aqui que Portugal merece uma atenção.

Só nos finais da década de 1980 se iniciou o processo que levou a uma redução muito significativa da mortalidade infantil, e só na década de 1990 se desenvolveu o Serviço Nacional de Saúde com uma capilaridade e uma prestação que pôde contemplar progressos assinaláveis na expectativa de vida. Em qualquer um destes universos, Portugal teve uma evolução extraordinária tendo em conta o ponto de partida, o que não aconteceu, por exemplo com a Irlanda onde a universalização dos serviços de saúde advém da década de 1960.

Um outro indicador é o que liga à escolaridade. Se tivermos presente que a escolaridade obrigatória até ao 12º ano só é uma realidade concreta deste século, voltaremos a ter um desempenho, em Portugal, que pode ser, que deve ser, reconhecido.

Aparece-nos agora a lengalenga de que os países do leste europeu vão passar Portugal no PIB. Importaria que cada um dos que enche o discurso com tal proclamação se deslocasse à Roménia, à Hungria, à República Checa, à Eslováquia e visse, com os seus olhos, o que lá se passa.

Conviria que os tais que observam o país pelas vistas do comunismo requentado confirmassem o regime laboral destes países, a matriz de organização do trabalho que em cada um vigora e, ainda, se cada um desses patrimónios societáis seria aplicável em Portugal. Pela minha parte, o ser latino é um património inalienável!

É normal que as instituições internacionais queiram encontrar fatores de comparação, que se queira medir o crescimento das economias, mesmo que seja esse crescimento incontido o fator central da degradação do planeta. Mas esses elementos de comparação não deveriam decorrer de um único fator, não deveriam conter, unicamente, uma opção económica. Seria até muito mais útil, que se fizesse um ranking invertido, premiando quem, ao longo do tempo, mais combate a pobreza, mais valoriza a educação e a saúde, mais importância dá ao atingir de uma vida digna dos milhares de milhão de seres viventes no planeta. Mas isso não cola com o neoliberalismo desenfreado inculcado nas mentes de muitos dos jornalistas económicos e de certos políticos thatcherianos

Importaria, mais do que nunca, uma Organização das Nações Unidas que ajudasse a mudar os indicadores. Mais ainda, que a OCDE, clube dos que já foram ricos, não continuasse a autorizar que os países se reduzam a meras estatísticas.

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