Os inimigos da globalização andam cheios de motivos para celebrar. Ao contrário de quem mais beneficiou com as trocas comerciais globais.
Joe Biden anunciou várias medidas para proteger a indústria automóvel americana e a sua cadeia de valor. Protecionismo igual ao de Trump, mas embrulhado em preocupações ambientais e geopolíticas. A Europa - a França e a Alemanha e a Comissão Europeia - responde com sugestão de iguais medidas protecionistas. De um lado e do outro do Atlântico, quer-se reduzir o comércio e incentivar as indústrias de cada um com subsídios à produção e à compra, e com regras que condicionem as importações. Em ambos os casos, são os países com maior capacidade financeira que normalmente saem a ganhar.
A globalização enriqueceu muita gente. Os ricos, que venderam mais, e os pobres, que produziram para os ricos e puderam comprar o que antes não podiam. Ficaram para trás os empregos na Europa e nos Estados Unidos da América que foram ficando obsoletos ou deslocalizados Simplificando bastante, mas não faltando à verdade, foram assim as últimas décadas. Que estão a chegar ao fim.
Protecionismo. Impostos. Subsídios. Barreiras alfandegárias para impedir importações competitivas de países concorrentes. Depois das décadas da globalização, a pandemia, primeiro, e a guerra, depois, fizeram regressar as políticas protecionistas. A que se juntou a vontade de satisfazer os eleitores que se sentem deixados para trás pela globalização e a deslocalização das produções.
Se a Europa e os Estados Unidos querem depender menos das importações da China, têm de produzir mais e importar menos, defende-se. Nem que para isso alguém pague mais.
Trump era um protecionista estridente, com bonés encarnados a gritar Make America Great Again e ameaças de represálias a empresários que não fizessem regressar empregos aos Estados Unidos. Joe Biden é um protecionista disfarçado. Trouxe a América de volta ao mundo, fala de uma grande aliança das democracias e dos seus parceiros europeus, mas lança medidas profundamente protecionistas que prejudicam as indústrias europeias. Na Europa, França, sobretudo, e a Alemanha aproveitam para defender políticas europeias que as beneficiem, prejudicando a competição dentro da União Europeia.
De um lado do Atlântico dão-se subsídios, do outro quer-se dar também. O problema desta escalada é que nem todos conseguem acompanhar o passo.
Joe Biden assinou o Inflation Reduction Act (IRA) que contém várias medidas de despesa pública e de proteção das cadeias de valor americanas. Entre elas, um sistema de crédito para a compra de veículos elétricos que privilegia os carros produzidos nos Estados Unidos da América com componentes americanos. Naturalmente, os franceses (e os alemães) estão profundamente incomodados. E Bruxelas também. Tanto esforço a tentar que a Europa liderasse nas indústrias da economia verde (é essa a promessa económica do Green Deal), desde logo a dos veículos elétricos, e afinal os americanos vão ter de comprar americano, e não poder comprar chinês nem europeu (como se fosse a mesma coisa), se querem receber subsídios. Sem surpresa, os franceses hesitam entre a crítica e a promessa de retaliação. Do lado de lá, os americanos sugerem que façamos isso mesmo. Os europeus que também deem subsídios às suas indústrias e aos seus consumidores, para produzirem e consumirem europeu. Numa espiral competitiva onde quem tem menos cofre perde mais depressa.
Primeiro foi a pandemia, depois a guerra, e entretanto a crescente conflitualidade com a China. Tudo junto empurra o mundo ocidental (e, sem surpresa, o resto do mundo, também) para medidas protecionistas. Barreiras às importações, subsídios à produção e ao consumo. De caminho, suspendem-se as regras da concorrência, primeiro, e alteram-se-as depois. Os principais beneficiários destas iniciativas são, obviamente, as indústrias dos países que podem pagar para que se produza ou compre nacional ou regional. Os maiores prejudicados são os outros. Os que produzem noutro lugar e os que, não tendo dinheiro para subsidiar indústrias nem consumidores, acabam a comprar menos e mais caro.
De pouco serve a União Europeia suspender regras de auxílios de Estado se Portugal não tiver onde ir buscar o dinheiro para auxiliar. Pior ainda, se não puder fazer uso dos instrumentos que tem: competitividade fiscal, que é o dinheiro que quem não tem pode dar.
O tempo da globalização, disparada pelo fim da guerra fria e impulsionada pela fé nas virtudes pacificadoras da integração económica e do comércio internacional, está em crise. Já não é uma tendência que se adivinha, são políticas em curso. E os prejudicados serão, sem surpresas, os países com os bolsos menos fundos. Como Portugal, por exemplo.
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