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Opinião

E se o Presidente quiser ir a Moscovo?

E se o Presidente quiser ir a Moscovo?

David Dinis

Director-adjunto

O 129º artigo da Constituição Portuguesa não é uma mera bandeira histórica, como o “caminho para o Socialismo” que está no seu preâmbulo desde 1975, nem uma mera “caução” às opções “políticas legítimas” do Presidente eleito. E se substituíssemos “Catar” por “Rússia”, também era?

De forma inédita, duas bancadas parlamentares (IL e Bloco), mais quatro deputados da própria bancada do PS (maioritário na Assembleia) decidiram votar contra o pedido de deslocação do Presidente da República ao Catar. Outros três anunciaram abstenções, outros tantos declarações de voto.

Imagino o que cada um destes deputados socialistas pensou, depois da votação, quando ouviram Eurico Brilhante Dias, o seu líder parlamentar, a defender que o pedido de deslocação de um Presidente é um pró-forma institucional - sugerindo assim que estes prescindissem do direito que a Constituição lhes dá de votar.

Mas, afinal, o que diz Eurico?

Eurico diz que se trata de uma opção da “exclusiva responsabilidade política do Presidente. Não é verdade, e não é porque o artigo 129º da Constituição diz, não só, que ”o Presidente da República não pode ausentar-se do território nacional sem o assentimento da Assembleia da República", como determina que a “inobservância” dessa aprovação “envolve, de pleno direito, a perda do cargo”. Anote: é das raras circunstâncias em que o Presidente pode ser afastado do cargo.

Diz Eurico que a norma está na Constituição na sequência da fuga da família Real para o Brasil, sem explicar que de há 200 anos para cá ela continua na Constituição, apesar de termos agora uma República com um Presidente eleito e não com um monarca absoluto. O 129º artigo da Constituição Portuguesa não é uma mera bandeira histórica, como o “caminho para o Socialismo” que está no seu preâmbulo desde 1975, é um artigo que define um poder constitucional preciso à Assembleia da República - e, portanto, aos deputados.

Diz Eurico que a norma não serve para “caucionar opções legítimas do Presidente”, levando-nos a perguntar, assim sendo, para que está lá a norma e por que razão o PS não quis propor - na revisão constitucional aberta agora - a revogação desta norma que encara como um pró-forma. E, já agora, a perguntar quem determinará o que é uma “opção política legítima” do chefe de Estado.

Não, o 129º artigo da Constituição não pode existir apenas para obrigar os senhores deputados a dizer que sim a cada uma das viagens do sr. Presidente (à exceção dos “casos de passagem em trânsito ou de viagem sem caráter oficial de duração não superior a cinco dias”, como se excecionou há mais de 20 anos, sem outros aditamentos). E não, o chumbo de uma deslocação do Presidente, ao abrigo do 129º artigo da Constituição, não colocaria em causa o regime democrático, como alegou Eurico, colocaria ao invés em prática a separação de poderes que a Constituição determinou ao fixar um regime semi-presidencialista, em que o Presidente não tem a prerrogativa de determinar, por si só, a política externa de Portugal.

Mas se Eurico Brilhante Dias considera que a norma é uma mera “caução constitucional”, o mais prático seria perguntar ao líder parlamentar do PS o que faria se o Presidente eleito fosse comunista e amanhã lhe pedisse caução para ir ao Kremlin apoiar Vladimir Putin nesta guerra contra a Ucrânia. Caucionava?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ddinis@expresso.impresa.pt

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