Não, o mundo não caminha para a catástrofe climática
A afirmação que está no título deste artigo é uma razão acrescida para fazer ainda mais pelo planeta
Economista
A afirmação que está no título deste artigo é uma razão acrescida para fazer ainda mais pelo planeta
Chegámos aquela época do ano em que, virtude da Conferência Anual das Partes da Convenção do Clima (a “COP”), todos os media irão falar, mais do que alguma vez durante o ano, sobre o tema das Alterações Climáticas com discursos catastróficos e chamadas à ação, clamando que esta é a última, a derradeira, a inevitável oportunidade, para resolver o problema do clima.
Sou ativista do clima há mais de 25 anos e não minto que existe uma certa atração pelo catastrofismo e pelo que ele representa. Contudo, partilho com muitos a ideia de que essa mensagem catastrofista é simultaneamente enganosa e perigosa.
É enganosa antes de mais porque ela não corresponde à verdade atual. É hoje ponto assente que estamos muito longe, provavelmente de forma irremediável, de cumprir com o objetivo de conter o aumento da temperatura global média abaixo dos 1,5ºC (em relação à temperatura média de antes da revolução industrial. Este objetivo de Paris está claramente em risco. Se a bitola for a do objetivo de ficarmos abaixo dos 1,5ºC então não há dúvida de que a Humanidade está a falhar. Importa realçar, contudo, isto: esse objetivo já era extremamente ambicioso quando foi pela primeira vez formulado, há seis anos, no Acordo de Paris.
Em verdade, à chegada à Cimeira de Paris, o texto negocial falava apenas em limitar o aumento a 2ºC. Mas importa também realçar que na altura, o mundo preparava-se para uma trajetória que chegaria aos 4 a 6ºC no final do século. Se as promessas feitas o ano passado em Glasgow se confirmarem, e num cenário otimista, o mundo estará orientado para atingir os 1,8ºC.
E mesmo que depois de Glasgow, muitos poucos países tenham efetivamente respondido ao chamamento de novas e mais ambiciosas metas, a verdade é que as boas notícias climáticas continuam a aparecer: só no último mês, vimos a Europa anunciar o fim dos automóveis a gasolina ou diesel em 2035, enquanto vários países preparam-se para antecipar a meta de um sector elétrico 100% renovável.
E, finalmente, a instituição que durante anos mais representou a nível intergovernamental os interesses da indústria petrolífera e gasista – a Agência Internacional de Energia – tradicionalmente conservadora nas suas previsões sobre o crescimento futuro da energia renovável publica um “World Energy Outlook” em que, pela primeira vez, prevê o fim não só do domínio do petróleo, como antecipa o fim do gás como combustível de transição.
Mas esta mensagem de catástrofe é também perigosa porque a psicologia humana impele-nos a ignorar aquilo que não podemos controlar. Se a catástrofe é assim tão grande, como podemos nós, pequenos indivíduos, enfrentá-la?
Os conselheiros de marketing e publicidade já perceberam que não há nada melhor do que alimentar a ideia de que a mudança será possível, e até desejável, mas que ela depende radicalmente da ação de cada um de nós, e apenas de cada um de nós. Como se as nossas opções se limitassem às opções de consumo.
Com este pano de fundo de um certo otimismo realista em relação à evolução futura das emissões, o que está então em jogo na COP deste ano no Egito? Por um lado, os governos deveriam ter sido mais ambiciosos na determinação das suas novas metas. Por outro lado, mesmo os cenários mais otimistas de redução futura de emissões não respondem a esta questão fundamental de justiça e equidade: quem paga os danos climáticos da já inevitável alteração climática? Qual o dever moral, ético de reparar os danos já existentes? Como e quem irá financiar a adaptação aos novos cenários climáticos em países com vulnerabilidades acrescidas.
Estas questões tornam-se ainda mais importantes com a eclosão da guerra da Ucrânia. A guerra terá certamente efeitos importantes na recomposição do mix energético internacional. Simultaneamente, contudo, a guerra estará a distrair os países europeus e ocidentais das suas responsabilidades históricas na alavancagem de recursos para a ajuda internacional climática.
Podemos por isso antecipar que, no clima geopolítico internacional atual e, em face dos desafios do financiamento climático, esta COP será sem dúvida das mais difíceis dos últimos vinte anos.
Foquemo-nos por isso no essencial e não na espuma dos dias. É certo que temos de fazer mais, mas o percurso que fizemos já derrota o discurso da catástrofe e da inação.
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