Opinião

2023: um ano para reter o talento jovem

2023: um ano para reter o talento jovem

Rui Oliveira

Presidente do Conselho Nacional de Juventude

Portugal oferece aos jovens dos piores salários da Europa: três quartos ganham menos de €950, o que contrasta com os valores crescentes na habitação

Ao longo dos anos, o debate público no nosso país assentou, em grande parte, na necessidade do aumento da produtividade e nas consequências nefastas da transição demográfica: os jovens são a resposta a ambos os problemas.

Portugal deve percorrer um caminho de aposta na economia com base no conhecimento e, para isso, tem de aumentar as qualificações dos seus cidadãos. Iniciou esse percurso, e bem, ao aumentar o número de jovens a frequentar o Ensino Superior. Ainda que nesse campo exista a necessidade de aumentar a qualidade de ensino e garantir o acesso a todos, temos evoluído, mas precisamos agora de acelerar esta aposta.

Portugal tem de competir com economias de valor acrescentado e, para isso, a criação e o acesso ao conhecimento é imprescindível. Ainda assim, é relevante garantir o passo seguinte, e é aqui que 2023 tem de ser um ano de resposta clara e conjunta da sociedade civil, mas também do Estado: a retenção do talento jovem. Nesta fase em que se discute o Orçamento do Estado é importante esta ser uma das prioridades, pois só assim podemos ter uma economia mais forte, invertendo simultaneamente a curva demográfica que prevalece no nosso país.

A aposta na educação não chegará se não garantirmos a retenção dos talentos que estamos a formar, por via da sua entrada no tecido económico ou pela sua capacidade de fazer parte do tecido de investigação, existindo assim uma interação entre ambos os setores.

Só será possível reter talento se, para além da aposta na educação, ultrapassarmos o problema do acesso que os jovens enfrentam em Portugal. Acesso à profissão, contra o corporativismo das ordens profissionais. Acesso à habitação, reforçando políticas públicas que equilibrem o mercado e que facilitem a emancipação dos jovens. Acesso à decisão, num sistema envelhecido, que não partilha o poder da decisão. Acesso ao futuro, quando o investimento não é canalizado para dar resposta aos desafios do amanhã, mas sim para fazer aquilo que já está ultrapassado e já deveria ter sido feito no passado.

A retenção de talento necessita ainda de ser pensada de forma diversa. Portugal compete com um mundo global e, em alguns setores económicos, como o da tecnologia, investigação e inovação, só com os parceiros europeus é que conseguiremos ser competitivos. Neste caso, a principal preocupação deve ser a retenção de talento a nível europeu, devendo Portugal assumir parte dessa resposta. Noutros setores, principalmente ao nível de serviços, sejam de saúde, comércio ou no sistema de ensino, a retenção de talento não pode ser feita a nível nacional, mas sim a nível regional ou até distrital.

Portugal apresenta algumas condições que favorecem esta competitividade, no que diz respeito à segurança, ao clima, à inserção na União Europeia e à liberdade de circulação. No entanto, o mundo exige mais e, por isso, precisamos de melhorar as remunerações dos nossos jovens, principalmente dos mais qualificados, aproximando-os de valores europeus e condizentes com os seus custos de vida, como o da habitação.

Portugal oferece aos jovens dos piores salários da Europa, realçando que 3⁄4 ganham menos de 950€, o que contrasta com os valores crescentes na habitação que se aproximam mais dos valores de Amesterdão e Copenhaga. Atualmente, os jovens procuram também o balanço entre vida pessoal e profissional e ainda uma economia que se alinhe com missões sociais, como as alterações climáticas, devendo Portugal ser parte significativa da resposta, principalmente com o recurso a tecnologias.

Sabemos, ainda, que ⅕ dos jovens encontram-se em trabalhos nos quais não precisavam de tantas qualificações. Estamos a desperdiçar recursos altamente qualificados e o empreendedorismo pode representar aqui um grande apoio na sua solução. Para isso, precisamos de criar estratégias para aumentar a cultura empreendedora junto dos jovens, mas também de ampliar os programas de apoio aos primeiros passos nesta etapa.

Assim, diria que o nosso país, pela sua sua geolocalização e riqueza territorial, climática, turística e cultural, tem já um grande avanço. Começámos pelo caminho certo, de apostar no conhecimento, mas necessitamos igualmente de reter o talento jovem e qualificado, garantindo que chega à nossa economia e que lhe acrescenta valor.

Para isso, precisamos de oferecer melhores salários, mais oportunidades e melhores condições de vida, reforçando que atualmente apenas saímos da casa dos nossos pais depois dos 30 anos. Precisamos que nos seja dado acesso ao sistema e que partilhem as oportunidades connosco.

Com este Orçamento do Estado ainda não encontramos uma resposta suficientemente robusta a este cenário. Esperamos que ao longo destas semanas de discussão sejam previstos estes caminhos e que se vá ainda mais longe neste percurso. Não podemos voltar a adiar as oportunidades dos jovens do presente se queremos a garantia que Portugal terá um futuro melhor. Mas além de um Orçamento, através do qual se criam as oportunidades, também nós, como sociedade, temos de procurar ser parte da solução e do crescimento. Sei que os jovens dirão presente, a um futuro melhor!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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