Opinião

A falta que Boris fez

A falta que Boris fez

Henrique Burnay

Consultor em Assuntos Europeus

À pergunta: “quem manda na Europa?”, tradicionalmente, e sobretudo em tempos de crise, a resposta inclui a Alemanha. E França, embora menos. Nos últimos seis meses, porém, tem sido tudo menos isso

Quando todos iam começar a olhar para a nova primeira-ministra britânica, Liz Truss, o seu antecessor fez um discurso de despedida que parecia tudo menos isso. Depois do “Hasta la vista”, esta espécie de Boris Johnson em formato assombração. O futuro ex-primeiro ministro britânico tem um enorme jeito para não deixar saudades. Exceto onde nunca esteve.

Um dos lugares onde se tem notado mais a ausência do Reino Unido e, no caso, especificamente de Boris Johnson, é onde ele nunca quis estar e de onde tirou o Reino Unido: à mesa do Conselho Europeu.

Quando o referendo no Reino Unido confirmou o Brexit, houve três reações em Bruxelas: os que ficaram genuinamente contentes por ver partir o Estado membro mais resistente a maior integração, mais políticas europeias e mais federalização; os que achavam isso tudo, mas também sabiam que a saída do Reino Unido punha em risco a própria União e que, portanto, o processo tinha de ser gerido com inteligência, para não contaminar; e os que ficaram preocupados com a falta que o Reino Unido e as suas posições fariam. É possível que todos estes grupos tenham razão, pelo menos em parte e em determinadas ocasiões. Mas os últimos seis meses têm mostrado bem a falta que o Reino Unido, e no caso o próprio Boris Johnson, tem feito à União Europeia.

À pergunta: “quem manda na Europa?”, tradicionalmente, e sobretudo em tempos de crise, a resposta inclui a Alemanha. E França, embora menos. Nos últimos seis meses, porém, tem sido tudo menos isso.

Desde o início da invasão russa da Ucrânia que a liderança europeia tem estado onde é menos comum. Em Bruxelas, Roberta Metsola, a presidente do Parlamento Europeu, vinda de Malta e com “apenas” 43 anos, foi a primeira política das Instituições europeias a ir a Kyiv, quando isso exigia, além do mais, coragem física. Seguiu-se Ursula Von der Leyen. A presidente da Comissão Europeia fez, aliás, questão de ir em Abril e voltar em Junho, antes que Macron, Scholz e Draghi lá fossem pela primeira vez. E antes que os líderes de França, Alemanha e Itália dissessem que a Ucrânia podia começar a negociar uma eventual adesão à União Europeia, a presidente da Comissão disse logo que a Ucrânia tinha um destino europeu.

Fora de Bruxelas, ou em Bruxelas à volta da mesa do Conselho Europeu, também não têm sido franceses e alemães (ou italianos) a liderar a resposta europeia. Das notícias às declarações políticas, tudo tem indicado que os países bálticos, os da Europa Central, chefiados pela Polónia, e os nórdicos, Finlândia e Suécia, têm estado na linha da frente. São eles que têm puxado. São eles que têm pedido as decisões que depois, e às vezes a custo, os restantes acordam.

E é aqui que se tem notado a diferença que o Reino Unido e o ex-Primeiro Ministro britânico teriam feito. Se Boris Johnson, o primeiro responsável do pelo Brexit, estivesse à mesa do Conselho Europeu, Polónia, Estónia, Letónia, Lituânia, Finlândia e Suécia, entre outros, teriam tido o apoio de um dos grandes. Teriam, provavelmente, tido a liderança de um dos maiores e mais importantes membros da União Europeia. E isso, naquelas discussões, conta.

E o reverso é igualmente verdade. Boris Johnson, que fez tudo para que o Reino Unido saísse da União Europeia, aconselhou a Ucrânia a entrar, e a União Europeia a recebê-la. Porque, por muito que o Reino Unido tenha para oferecer, e tem oferecido, não tem aquilo que a UE dá e a Ucrânia quer e precisa. O Reino Unido será um aliado dos ucranianos, a União Europeia pode ser a sua casa. Os ucranianos querem aderir à União Europeia da mesma maneira que os europeus de leste quiseram aderir após a queda do Muro de Berlim. Mas desta vez não têm Thatcher nem o Reino Unido para lhes abrir a porta. E a culpa é de Boris Johnson.

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