Opinião

Propaganda (cientificamente) política

Engenharia genética, inteligência artificial, 5G, pandemias, alterações climáticas. São cada vez mais os assuntos tecnicamente complexos sobre os quais os políticos têm de decidir, muitas vezes sem conhecerem os últimos desenvolvimentos da ciência e da investigação nesses domínios. Mais do que nunca, as lideranças políticas precisam de estar próximas das lideranças científicas e tecnológicas, permitindo mesmo, pela democracia, chegarmos ao ponto de ter lideranças capazes de assumir os dois papéis em simultâneo

Duarte Costa, co-presidente do Volt Portugal, especialista em alterações climáticas

Foi pelas palavras da cientista Mary T.Bassett na revista Nature que acordamos para um novo imperativo cívico : “se estamos cansados de ver a ciência ser ignorada, precisamos de nos envolver na política. A situação exige um maior envolvimento dos cientistas com a política, porque a política está a interferir na ciência.” Esta frase resume bem o meu percurso, a minha motivação e a minha escolha partidária. Também eu estou cansado da falta de base científica nas decisões tomadas e mais ainda preocupado com o uso aleatório e muitas vezes abusivo de dados e estudos para manipular o entendimento sobre uma decisão ou até autopromover o governo de forma (tudo menos) cientificamente fundamentada.

A pandemia e a crise climática vieram revelar que uma liderança política tem de estar baseada em conhecimentos científicos. É a robustez do método científico também que nos pode assegurar e até tranquilizar de forma objetiva que tomamos as melhores decisões disponíveis perante a incerteza de fenómenos como novos eventos extremos ou o surgimento de novas doenças.

Quando um governante cita um estudo científico ou relatório técnico deve fazê-lo para esclarecer e informar a população da base de conhecimento que sustenta uma subsequente decisão política necessária. É fundamental que sejam apresentadas fontes e que se utilizem dados que foram validados por pares, por forma a que cidadãos e cientistas possam consultar e avaliar a informação que fundamenta uma decisão que impacta a vida de todos.

Durante os últimos anos de governação tenho observado um preocupante abuso de números avulsos, estudos não revistos por pares, relatórios “científicos” de entidades públicas sem revisão nem validação como forma de fundamentar opções políticas que não foram objetivamente avaliadas de forma imparcial e rigorosa. Sejamos claros: isso é política, não é ciência.

Quando um problema grave é relativizado para dar a entender que o governo está a fazer um excelente trabalho, isso é política, não é ciência: “ardeu menos do que o previsto segundo o algoritmo; segundo dados do SNS, apenas 0,6% das grávidas são transferidas de hospital para dar a luz”.

Os políticos aperceberam-se que usando figuras, dados avulsos e relatórios de entidades conseguem comunicar as suas opções políticas ou autopromover-se com maior aceitação pelos eleitores. No entanto, o lamentável episódio do algoritmo que colocava o governo a “salvar” 30% da área ardida (num ano em que já em agosto vamos com 30% a mais de área ardida do que a média anual!) deve ser para todos nós um alerta vermelho.

As políticas baseadas em conhecimento são o oposto do que temos atualmente em Portugal: são políticas transparentes, participadas, ascendentes (bottom-up) e elaboradas consultando órgãos técnico-científicos independentes e que são, depois, comunicadas nestes moldes, permitindo um pleno entendimento e empoderamento de quem pensa e por isso vota em democracia. É justamente este o modelo de funcionamento do Partido Volt em todos os países europeus onde existe, incluindo Portugal. Só deste modo poderemos restaurar a confiança na democracia e na sua capacidade de, pelos votos da maioria, dar poder a alguns para representarem e decidirem por todos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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