Opinião

Será do celibato?

Será do celibato?

Julie Machado

Mestre em Teologia

O termo “padre pedófilo” é usado não só para incitar um certo pânico moral contra o clero católico, mas para indicar que este grupo tem um risco acrescido deste tipo de crime. Na verdade, não existe nenhuma evidência de que padres cometam mais este crime do que outros homens

As notícias passam por tópicos, que suscitam emoções fortes, geralmente medo e escândalo: desde as mortes na pandemia até a guerra da Ucrânia e, agora, abusos sexuais na Igreja. Não houve caso recente, mas por o Cardeal Patriarca de Lisboa ter publicado resultados de uma comissão que foi criada precisamente para haver o máximo rigor e transparência possível, a frase “padres pedófilos” nunca soou tão alto.

Como indica o estudo publicado no PubMed , o termo “padre pedófilo” é usado não só para incitar um certo pânico moral contra o clero católico, mas para indicar que este grupo tem um risco acrescido deste tipo de crime. Na verdade, não existe nenhuma evidência de que padres cometam mais este crime do que outros homens. É algo que atravessa todas as classes, profissões, religiões e comunidades étnicas pelo mundo fora. No famoso caso de Boston, só quatro dos oitenta padres rotulados pelos media de “pedófilos” foram culpados de abusos sexuais. Pedofilia em padres é algo de extremamente raro, afetando menos do que 2%, o que é comparável à percentagem de homens casados.

A Igreja Católica, primeiro nos Estados Unidos e mais recentemente em Portugal, tem criado estas comissões para lidar rapida e abertamente com qualquer tipo de queixa ou suspeita. Quase nenhuma outra instituição tem desenvolvido regras, comissões e estratégias de prevenção como a Igreja Católica, também para contextualizar tanto mediatismo público. No entanto, professores em escolas, treinadores de desporto, familiares e vizinhos têm todos a mesma probabilidade ou mais de cometerem este crime. O antigo médico da equipa olímpica de ginástica dos Estados Unidos Larry Nassar está preso e a pagar indemnizações a mais de 90 mulheres que foram abusadas por ele. Uma carta de uma ginasta canadiana descreve anos de abusos sexuais e emocionais por treinadores, não só dela mas de outras meninas.

Alguns psicólogos descrevem a propensão para a pedofilia como orientada por sentimentos de carinho e romance para com crianças, tipicamente abaixo dos 13 anos. Procuram trabalhos e posições que os colocam perto de crianças. Geralmente sentem culpa e vergonha pelas suas ações. Estudos aos seus cérebros mostram anormalidades que causam baixo controlo de impulsos e comportamento obsessivo.

Um padre nosso conhecido, no meio desta inundação dos meios de comunicação sobre os escândalos da Igreja, relatou que estava a andar num passeio na rua. Uma senhora saiu de um restaurante para lhe gritar, “Padre pedófilo! Porque é que não te casas?”.

Há duas presunções interessantes neste insulto. Primeiro, que um homem casado esteja menos em risco estatisticamente de pedofilia, o que não é verdade. Infelizmente a pedofilia acontece quase sempre com alguém conhecido da criança (tio, padrasto, amigo, etc.), não um estranho na rua, e muitas vezes são casados. Também pastores casados e líderes religiosos de outras religiões cometem este crime.

Segundo, que o casamento resolva este tipo de perturbação mental grave. Há quem diga que a vocação do casamento acaba por ser muito parecida com a de um padre; só que em vez de dizer que não a todas as mulheres do mundo, diz que não a todas menos a uma (a esposa). A fidelidade no casamento, como está mais do que claro pelos dados e divórcios, é extremamente exigente e requer disciplina.

As pessoas julgam as restrições ou orientação ao impulso sexual como retrógrado. Mas já admiram quem faça limitações rigorosas, como dietas alimentares e exercício. Um homem que não resista a nenhum impulso sexual, mas seja dominado e conduzido por qualquer desejo, não é livre. É dominado pelo vício. Um homem que saiba conduzir e direcionar o seu desejo e impulso sexual é que é livre e capaz de se relacionar de modo saudável com os outros. É o homem da virtude.

O celibato tem um vasto significado e simbologia na Igreja Católica, presente desde os textos bíblicos até aos mais recentes documentos da Igreja. É um sinal com um significado muito preciso e um modo de viver a imitar o fundador da Igreja.

Vende muito usar o termo “padre pedófilo” e falar sobre escândalos da Igreja. Infelizmente muitos padres bons são insultados na rua, como este nosso amigo. Diante do facto de que todos os padres agora são vistos como pedófilos, apesar de quase nenhum o ser, isto torna-se em mais uma forma de perseguição da Igreja.

O Cristianismo é a religião mais perseguida do mundo. No ano 2021 estima-se que 5600 cristãos foram mortos, 6000 foram presos e 4000 foram raptados. 5000 igrejas ou edifícios religiosos foram destruídos. Não é politicamente correto dizer que os cristãos são perseguidos, mas sim os muçulmanos. A União Europeia publicou que os muçulmanos são mais discriminados. No entanto, notícias de “padres pedófilos” e a Igreja que está no meio de um processo de transparência é o que vende mais, e Charlie Hebdo dá tiros.

Não está demonstrado que o celibato crie perturbações mentais das mais graves onde não existiam antes. Um mau padre, ou um que cometa estes crimes horripilantes, realmente é do pior que pode existir na Terra, pois tinha mais responsabilidade. Mas os restantes 98% bons, com este estilo de vida celibatário, fazem com que cada um se questione, e pense na sua vida ética e sexual. Mais do que perigoso e a evitar, o celibato pode na verdade ser uma das melhores armas contra a pedofilia.

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