Opinião

Há uma “nova maternidade” que é um desafio, mais um, para nós, mulheres: a de sermos cuidadoras de quem nos gerou

Há uma “nova maternidade” que é um desafio, mais um, para nós, mulheres: a de sermos cuidadoras de quem nos gerou

Ulika da Paixão Franco

Consultora de Comunicação e Cultura, doutoranda PIUDHist em História, Mudança e continuidade num Mundo Global

A semana de quatro dias é demanda e resultado de uma nova geodemografia onde a “nova maternidade” se impõe como uma realidade inultrapassável e que vem responder à necessidade de os filhos cuidarem dos pais. No fundo, ela é espelho dos escritos de São João Baptista no Novo Testamento: “Digo verdadeiramente que nenhum escravo é maior que o seu senhor, como também nenhum mensageiro é maior do que aquele que o enviou

A “nova maternidade” cresce social e comunitariamente tornando-se cada vez mais importante com o desenvolvimento da ciência e da medicina, o que nos é indicado através dos dados que a geodemografia vem avançando, isto é, os de que as taxas de longevidade indicam uma cada vez maior esperança de vida, ou seja, um aumento da idade média das populações e um maior número de cidadãos em período (pós) adulto. Tal como o seu contrário, os dados indiciam uma descida importante nas taxas de natalidade e, consequentemente, no número de cidadãos em idade jovem.

Estas importantes transformações no tecido sociodemográfico da Europa, da América do Norte e um pouco por todos os países agrupados sob a etiqueta de “países desenvolvidos” estão na origem deste conceito que designo “a nova maternidade”.

A “nova maternidade” expressa-se por uma nova forma de cuidar na qual nós, mulheres, com cada vez menos possibilidades de gerar um maior número de crianças, sendo que algumas de nós sem a possibilidade de gerar crianças, independente de o desejarem ou não, temos vindo a protagonizar uma figura de charneira. As alterações, aparentemente irreversíveis, de uma nova distribuição do número de pessoas por faixa etária pende para as de maior longevidade, as quais se tornam paulatinamente predominantes sob faixas etárias mais jovens, faz-nos repensar obrigatoriamente o modelo de sociedade.

A pandemia do Sars-Cov2 veio colocar em evidência a fragilidade do apoio e dos cuidados prestados por estabelecimentos como os lares, mesmo os geridos por instituições de mérito social como as Misericórdias, entendendo que deixar os nossos ascendentes em lares não é uma opção segura quer humana, física ou psicologicamente. Assim, como filhos, manter os nossos ascendentes debaixo da nossa asa é a melhor forma de garantir que vivem saudáveis, felizes e integrados mais um terço das suas vidas. Ao mesmo tempo que resguardamos a sua integridade humana, elevamos as nossas qualificações no exercício da empatia, do acompanhamento e - mais importante que tudo - do cuidar. Do mesmo modo e essencialmente crescemos como pessoas e seres humanos, estando mais aptos a contribuir para o melhoramento da organização da sociedade.

E porque esta “nova maternidade” não é só uma questão de afetos, mas uma questão de saúde, segurança social, sociologia e política - aos que não acreditarem hoje terão provas amanhã - torna-se cada vez mais importante estudar e analisar com seriedade a semana de trabalho de 4 dias. Ela vai permitir estabelecer um maior equilíbrio entre as obrigações do trabalho e os deveres da família. Um trabalhador com sucesso tem de manter uma estrutura familiar harmónica.

É também por esta urgência do cuidar, desta “nova maternidade” que a todas e cada uma é cada vez mais importante observar, que defendo acerrimamente a semana de 4 dias de trabalho, para que as segundas-feiras de manhã não sejam horas de trabalho repletas de dolorosas preocupações e as sextas-feiras de tarde nos permitam organizar fins de semana com amigos, para cuidarmos de nós, e fins de semana com os nossos “outros filhos”: os nossos pais e as nossas mães.

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