Opinião

Medicação antipsicótica gratuita? Amanhã já será tarde demais

Medicação antipsicótica gratuita? Amanhã já será tarde demais

Francisco Sampaio

Enfermeiro especialista em Saúde Mental

O dia 7 de junho de 2021 amanheceu com uma extraordinária notícia: o Despacho n.º 5609/2021 determinava que o Estado passaria a dispensar a título gratuito, no Serviço Nacional de Saúde, medicação antipsicótica simples. Retomar-se-ia, assim, um apoio que havia terminado em 2010, beneficiando cerca de 200 mil pessoas com algum tipo de perturbação mental, particularmente pessoas com doença mental grave.

A medida foi amplamente aplaudida pelos profissionais de saúde mental e pelos utentes beneficiários da mesma, tendo mesmo o Coordenador Nacional das Políticas de Saúde Mental indicado que esta apresentava três benefícios fundamentais: (a) sob o ponto de vista financeiro, facilitava o acesso à medicação por parte dos utentes; (b) favorecia a monitorização regular do estado clínico dos utentes, já que devido ao preço da medicação muitos destes deixavam de a tomar; e (c) colocava os utentes em situação de igualdade para com outros que, apresentando doenças de outra natureza, viam a sua medicação comparticipada a 100%.

Era à partida sabido que a implementação de uma medida deste tipo nos contextos da prática clínica não seria passível de ser consumada de imediato em todo o território nacional. Por essa razão, o Despacho previa um prazo máximo de 60 dias após a sua publicação para que fosse realizada a necessária adaptação dos sistemas informáticos de prescrição e dispensa de medicação antipsicótica.

O problema começaria, contudo, a emergir posteriormente. Em setembro de 2021 a dispensa de antipsicóticos gratuitos não era ainda uma realidade em todos os hospitais, tendo estes assumido o compromisso de encontrar soluções até ao final desse mês. A verdade é que o tempo foi avançando e agora, chegados a maio de 2022, quase um ano após a publicação do Despacho n.º 5609/2021, continuam a existir relatos de que nem todos os potenciais beneficiários da medida têm acesso a medicação antipsicótica de forma gratuita. É certo que o Ministério da Saúde tem vindo a realizar contactos no sentido de assegurar a plena implementação do Despacho; porém, algumas unidades hospitalares mantêm-se ainda em incumprimento do mesmo, situação que urge resolver pelo prejuízo causado às pessoas com doença mental e pela situação de iniquidade à qual as mesmas se encontram atualmente expostas.

Um estudo publicado em 2020 aponta o custo da medicação como um dos fatores associados à não adesão à mesma por parte das pessoas com doença mental grave. Assim, e ainda que alguns medicamentos antipsicóticos tenham um custo reduzido, não são raros os casos de pessoas com doença mental grave que apresentam baixos rendimentos e um escasso ou inexistente suporte familiar e social, conduzindo a situações nas quais nem algumas das suas necessidades básicas, como a alimentação, estão verdadeiramente asseguradas.

É por estas pessoas e para estas pessoas, francamente vulneráveis devido à sua condição de saúde, que importa que as unidades hospitalares encontrem rapidamente soluções que permitam a efetiva dispensa a título gratuito da medicação antipsicótica. Nesta situação, como em tantas outras nas quais o que está em causa é o direito a um tratamento justo e igualitário, amanhã já será tarde demais.

Francisco Sampaio é professor na Escola Superior de Saúde Fernando Pessoa, Investigador no CINTESIS, Presidente da Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica da Ordem dos Enfermeiros

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