No último dia de 2021, foi publicada a Lei de Bases do Clima – Lei nº 98/2021 de 31 de dezembro. À semelhança de outros países da União Europeia, na sequência da aprovação, durante a presidência portuguesa, da denominada Lei Europeia do Clima, Portugal deu força de lei a um novo direito, o direito ao clima.
Independentemente das questões de conformidade constitucional - nomeadamente com o teor do Artigo 66º da Constituição de República Portuguesa - a verdade é que passou a ter força de lei o direito ao equilíbrio climático.
Este diploma vem criar um conjunto de direitos e obrigações. Todos passamos a gozar do direito de intervenção e participação, nos procedimentos de decisão de política climática, sem esquecer a sua tutela plena e efetiva, nomeadamente o direito de ação para a defesa de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos; o direito de promover a prevenção e reparação de riscos para o equilíbrio climático; e, até mesmo, o direito a pedir a cessação imediata da atividade causadora de ameaça ou dano a esse equilíbrio climático. Como reverso destes direitos, todos passam a ter como dever a proteção, a preservação, o respeito e a salvaguarda do equilíbrio climático, incluindo de contribuir para a mitigação das alterações climáticas.
Em suma, fica legalmente instituída, do lado da sociedade civil (cidadãos, empresas, instituições) a cidadania climática e, do lado do Estado a obrigação de incluir a defesa e a mitigação do clima nos seus planos político, técnico, cultural, educativo, económico e jurídico.
Sob o ponto de vista tributário, esta lei lança mesmo as bases para a criação de um novo item nos benefícios fiscais, onde as opções de consumo sustentável podem ter uma compensação fiscal acrescida, usando a linguagem do legislador, o IRS Verde.
Como qualquer lei de bases, a Lei de Bases do Ambiente, para além da consagração de um direito – o direito ao clima – estabelece as bases, não mais do que isso. O gap entre as leis de base e a implementação tem sido grande, cite-se a título de exemplo a lei de bases do mar. Porém, os impactos do insucesso, por inércia ou desvios de aplicação, desta lei de bases do clima, podem ter efeitos nefastos na absolutamente necessária transição energética e descarbonização da economia, pelo impacto negativo que comporta na construção da nova consciência ética coletiva e na confiança no novo modelo de desenvolvimento económico (Prosperity Without Growth de que fala Tim Jackson).
Credibilidade e Confiança são as palavras-chave para um resultado positivo.
A presente lei é clara, a realização da política climática compete ao Estado, mas exige interação e estabelece a criação de um novo órgão, o Conselho de Ação Climática (CAC).
Este novo direito ao clima, só terá sucesso, se for acompanhado de uma nova forma de Governo e de atuação do Estado, assente em três eixos: uma governação integrada e inclusiva; uma governação com estruturas independentes e de elevada capacidade técnica, como terá que ser o CAC; e uma governação focada nos resultados, estabelecendo a necessária adequabilidade entre os outputs e os outcomes de cada decisão.
O primeiro desafio será a apresentação do primeiro Orçamento de Carbono, cuja proposta cabe ao Governo apresentar na Assembleia da República, após obtenção de parecer do CAC. Nos termos da lei, estes orçamentos são feitos para períodos de cinco anos e devem garantir o cumprimento das metas de redução das emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE), face aos valores de 2005, de 55% até 2030; de 65% a 75% até 2040 e de 90% até 2050. Este documento deve, ainda, estabelecer as necessárias obrigações de avaliação de impacto climático nas decisões setoriais e de implementação de políticas públicas.
Competirá, pois, ao novo Governo promover a constituição do CAC que se espera tecnicamente elevado e verdadeiramente independente, bem como, elaborar o primeiro Orçamento de Carbono que só será eficaz se comportar mecanismos de avaliação dos respetivos outcomes e realizar a política climática de forma integrada e inclusiva, nela cabendo todos os setores, sem dualismos entre público e privado, nela integrando os mais vulneráveis, combatendo a pobreza energética. Há que por termo à valorização mono-setorial das emissões e a um permanente incumprimento por parte do setor do Estado das medidas de eficiência energética nos edifícios, de uso de energia de origem não fóssil, de compras públicas verdes (…).
A lei de bases do Clima foi publicada em “silêncio” e sem “eco” no debate público, demasiado ocupado com as possíveis alianças pós-eleitorais. A verdade é que, o sucesso da sua execução é duplamente essencial, desde logo à desejada redução das emissões e combate climático, mas também, à construção de um novo modelo de prosperidade, uma económica descarbonizada e circular.
Os dados e os instrumentos estão lançados. Os cidadãos ganham um direito, cuja defesa passa a ser devidamente tutelada, mas ao qual correspondem obrigações. O Estado ganha o papel fundamental de realização da política climática, ao lado das medidas de preservação da água, do solo, do ruído, dos ecossistemas, do ar, incumbe lhe preservar o equilíbrio climático. Para isso, tem que passar a ser integrativo nas suas decisões, capaz de promover, considerar e respeitar dados técnicos independentes e incorporar uma avaliação permanente de resultados.
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