Opinião

As Causas. Portugal, tão longe e tão perto...

A França é um país de Direita e Portugal é um país de Esquerda. Certo? Não, creio que é errado, pois acho que ambos são mais parecidos do que se pensaria. Em França, o centro recolhe sobretudo voto de esquerda moderada, pois ser de esquerda é anátema para ganhar. Em Portugal, o centro recolhe sobretudo voto de direita moderada, pois ser de direita é anátema para ganhar

Depois de 15 dias a trabalhar em França, tive um duplo privilégio que a covid me roubara durante quase 2 anos:

a) Ver de perto o que se estava a passar num País diferente, neste caso a França, talvez o País estrangeiro de que me considero mais próximo;

b) Ver de longe – e por isso de modo vago e impreciso, até porque não me lembro de uma única referência a Portugal nos media que eu acompanhava – o que se passava na minha Pátria.

Não é de estranhar que Portugal e França se misturem hoje mais no meu espírito do que ocorreria sem este curto “exílio”.

Vamos então a isso.

FRANÇA E PORTUGAL: PARECIDOS?

Em França haverá eleição presidencial em abril. Devido ao sistema, à prática constitucional e ao facto de se seguirem eleições legislativas, estão a definir-se os próximos 5 anos desse País e em boa medida da Europa.

Se as eleições fossem hoje, a direita radical (dividida entre três candidatos) teria 30%, a direita moderada 18% e o centro ocupado pelo atual Presidente cerca de 24%. Para todos os partidos de esquerda – radicais, ecologistas e moderados como o PSF – sobram 28%.

Em Portugal as eleições legislativas vão provavelmente definir os nossos próximos dois anos. E se fossem agora, conforme resulta da “Sondagem das sondagens” da Rádio Renascença, a esquerda teria 52,1%, o centro (PSD) 28,5% e a direita moderada e a radical 12,9%.

Ou seja, a França é um país de Direita e Portugal é um país de Esquerda. Certo? Não, creio que é errado, pois acho que ambos são mais parecidos do que se pensaria.

É verdade que em França haverá 2.ª volta na eleição presidencial. Muito provavelmente Macron (centro) enfrentará Pécresse (direita moderada) e qualquer um deles pode ganhar, pelo que terão cerca de 50% cada um. E é verdade que a esquerda não irá a (esse) jogo.

Mas há uma diferença.

Em França, o centro recolhe sobretudo voto de esquerda moderada, pois ser de esquerda é anátema para ganhar.

Em Portugal, o centro recolhe sobretudo voto de direita moderada, pois ser de direita é anátema para ganhar.

Ou seja, em França há muita esquerda envergonhada e em Portugal acontece o oposto, mas descontando isso a diferença real entre os dois países não é grande.

FRANÇA E PORTUGAL: DIFERENTES?

A direita em Portugal e a esquerda em França têm um problema idêntico, mas que abordam de modo distinto.

Realmente, é possível que a esquerda prefira a derrota de Macron na segunda volta e uma maior viragem à Direita, pois desse modo os eleitores de esquerda moderada voltarão a casa, juntando-se aos 28% que resistem ao abraço de urso de Macron. A esquerda está mais viva do que aparenta.

Mas em Portugal a direita prefere a derrota de Costa e a vitória de Rio. Ou seja, está resignada a não ter expressão política adequada à sua base sociológica. Talvez seja assim por apenas representar 13% ou será que só representa isso por ser assim?

Não sei responder. Mas sei entender o que se está a passar no PSD.

Vamos lá a isso.

PSD: PORQUÊ RECUSAR A DIREITA?

O slogan do PSD no seu Congresso foi “Centro”. Se fosse apenas um slogan não mereceria atenção. Mas em minha opinião é mais do que isso.

Por várias razões.

Em primeiro lugar porque se passou um Rubicão: o PSD pela primeira vez vai a eleições dizendo na campanha que se o PS for o partido mais votado viabiliza o Governo do PS para 2 anos.

É verdade que se exige que Costa diga antes das eleições que fará o mesmo, o que evidentemente não será dito. Mas depois disto ninguém esperará que Rio não viabilize após a sua provável derrota.

Em segundo lugar, porque a mensagem dominante de quadros dirigentes e nos congressistas passou a ser claramente no sentido de que o PSD está mais próximo do PS do que do CDS e IL, apodados com o Chega de micropartidos, que segundo Rio são até irrelevantes por terem apenas “meia dúzia de votos”.

Em terceiro lugar, saiu um livro com textos de Sá Carneiro de 1974-5, o que serviu para defender que o líder histórico era de esquerda.

Conheci e privei muito com Sá Carneiro a partir de 1978 até à sua morte e poderia provar que pelo menos desde então até à morte não era de esquerda. Mas o relevante é que em 2021 essa seja a mensagem que se oficializa.

Em quarto lugar, como refere Adalberto Campos Fernandes num excelente texto no DN, e isto é o mais importante, os dados do Censos de 2021 revelam um país “com menos pessoas, mais vulneráveis, mais dependentes”.

Ou seja,

a) o País em 2021 tem 182 idosos (com mais de 65 anos) por cada 100 jovens. Em 1980 a proporção era a oposta;

b) os reformados eram 1,8 milhões em 1980 e agora são mais do dobro (cerca de 3,7 milhões);

c) os funcionários públicos eram menos de 400.000 em 1980 e agora são quase 800.000.

Com estes dados é mais do que natural que o PSD seja cada vez mais um partido centrista e avesso a correr riscos e fazer reformas.

DIREITA: RESIGNADA À IRRELEVÂNCIA?

Nada tenho contra este posicionamento do PSD, como é evidente. Aliás, há cerca de 2 anos, pouco tempo antes da pandemia se revelar, defendi um governo de bloco central também porque os riscos que existiam há 40 anos nessa solução são hoje muito menores.

O que digo é que o PSD nunca desde 1975 esteve tão longe de representar ideológica, política e até sociologicamente a direita.

Nunca por isso a direita esteve tão pouco representada desde 1975. E no caso francês também nunca a Esquerda esteve tão pouco representada como agora, desde que em 1958 De Gaulle criou a V República.

Por isso me revejo no título do artigo de Francisco Mendes Silva, há dias no "Público": “A Direita ou é liberal ou não é alternativa”. E, digo eu, a boa alternância é entre forças que apostam mais na igualdade e outras mais na liberdade.

Rui Rio é um António Costa mais diluído. Não é uma alternativa, é um sucedâneo. Foi por isso que ganhou no PSD. Pode até ganhar no País, mas será pior Primeiro-Ministro e a sua vitória revelar-se-ia inútil.

JUSTIÇA MEDIEVAL NO SÉCULO XXI

Rui Rio teve uma grande vitória no Congresso do PSD, que paradoxalmente exprime os limites do seu sucesso, tanto mais que os congressistas foram eleitos no mesmo dia das Diretas que ele vencera.

Esse tema fica para próximo programa. Para hoje quero realçar o seu tweet sugerindo que o Governo montara uma estratégia para detenção de João Rendeiro para coincidir com a campanha eleitoral.

O disparate aqui tem três mães: a ignorância, o populismo e a incontinência.

E, no entanto, por estes dias Rio teria muito de que falar para fortalecer o seu caso para mudar o sistema judicial, o que não foi capaz de aproveitar.

Vejam-se exemplos, sobre que se exprimiram entre outros Daniel Oliveira, Manuel Magalhães e Silva, Ricardo Sá Fernandes, Pacheco Pereira (com António Xavier e Ana Catarina Mendes), Miguel Sousa Tavares, e com os quais concordo, criticando o modo medieval de fazer justiça, que nos envergonha como povo:

a) A vingança contra Rendeiro, por ter fugido, tratando-o sem a dignidade que qualquer condenado merece num Estado de Direito;

b) A caução milionária e despropositada de 6 milhões de euros exigida a Manuel Pinho, forma encontrada para o mandar para prisão domiciliária vários anos depois de ele poder ter optado por nunca mais regressar a Portugal, no que é objetivamente também uma violação do Estado de Direito;

c) A prescrição tolerada de alegados crimes relativos a parcerias público-privadas em autoestradas, após uma investigação que durou 11 anos, o que também é uma violação do Estado de Direito;

d) Os mais de três anos que demorou a acusação relativa a violência de 7 militares da GNR em 2018 sobre imigrantes fragilizados em Odemira.

Tudo isto mete medo.

Tudo isto me lembra a coragem que era necessária para há 20 anos advogados aceitarem defender alguém acusado de pedofilia, pois eram enxovalhados como se o fossem também.

Por isso elogio os que tiveram coragem de se indignar perante o silêncio cúmplice dos políticos apavorados por perderem votos nas calçadas levadas ao rubro e à ignominia.

O ELOGIO

A Nuno Garoupa, por ter aceitado ser candidato a deputado pela Iniciativa Liberal; mas o elogio seria sempre devido, fosse qual fosse o partido que escolhesse.

Ele é uma figura cimeira da academia nos EUA, foi Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos e é talvez a pessoa que há mais tempo e melhor tem estudado o nosso sistema judicial.

O elogio é tanto mais devido quanto o nível dos candidatos dos vários partidos – talvez o PSD seja o pior – é muito baixo no que se refere a imagem nacional para não dizer internacional, e nisso a comparação com a França – que dela venho falando - envergonha-nos.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Vi no Financial Times a análise do livro “Born in Blackness” de Howard French.

O livro coloca a África como central e não periférica na Era das Descobertas a partir do Século XV e dá voz histórica aos escravizados e colonizados.

French, descendente de uma escrava, escreve uma obra que aparentemente é de leitura obrigatória. Irei lê-la, mas arrisco aconselhar a sua leitura desde já.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Em novembro deste ano terão sido feitos mais de 1,5 milhão de testes e em dezembro estão a fazer-se mais de 130.000 por dia. E estamos quase todos vacinados com 2 doses e os grupos de risco também com uma terceira.

Apesar disso, o número de positivos não é muito elevado e os casos graves felizmente ainda menos.

Sendo assim duas perguntas: como se admite que se tenha decidido encerrar os centros de vacinação 8 dias, de 23 de janeiro a 2 de janeiro?

E como se compreende que se fechem bares e discotecas (onde já apenas se poderia entrar vacinado e com teste) e se complique a vida em hotéis, alojamento local e restaurante (mas não em centros comerciais), como se estivéssemos em 2020?

Será que é o cheiro das eleições a falar mais alto?

A LOUCURA MANSA

Em 16 de novembro elogiei a disponibilidade de Francisco Assis para voltar a ser candidato às legislativas (o que teria recusado em 2019 por discordar da geringonça). Mas fiz mais.

Lembrei então que nas minas se usavam canários para saber quando o nível de metano ou monóxido de carbono começava a ser perigoso para os mineiros.

E também lembrei que nas vinhas se plantavam rosas para alertar que seria necessário atacar o oídio com enxofre.

Por isso disse que “Assis vai ser assim a rosa ou o canário para nos apercebermos se o radicalismo deixou de imperar à esquerda”.

O PS não quis o canário ou a rosa nas listas. A mensagem está clara. E a loucura mansa foi que alguns como eu tivessem pensado o contrário.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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