Encontrei há dias uma imagem (da autoria do projecto de poesia visual “Paradoxos - Heduardo Kiesse”), por estes dias de pandemia e de “novo normal” (em tudo “novo”, é certo, mas em tanto mais muito pouco “normal”…) em que se lia escrito por cima de uma máscara cirúrgica: “Argasmo - ARgasmo – aquilo que se sente quando finalmente tiramos a máscara e respiramos livremente”.
E não é verdade? É uma sensação maravilhosa. Muitas pessoas (sim, por vezes, eu também) sentem-se sufocadas com as máscaras, sendo que quando a podemos retirar, em segurança, é como se a alma da gente também saísse do corpo.
Como explicar, neste “novo normal” este novo prazer? Argasmo, em definição perfeita, entrou no dicionário em 2021 e que assim fique em 2022. Melhor do que um argasmo, sinceramente, para mim são os argasmos múltiplos: aquele prazer intenso e consecutivo que se sente ao tirar a máscara, o soutien e os sapatos, ao chegar a casa!
É tempo de tirar as máscaras. Mas não “apenas” essas, as pandémicas. A máscara, mal ou bem, é um pacto social, e a nossa individualidade “magestosa e inviolável” precisa dar lugar ao colectivo. Então, seja por egoísmo puro, egoísmo utilitarista ou genuína compaixão, siga a cuidar de si e dos seus usando máscaras.
Não é dessas que falo. Hoje interessa-me falar das outras. As que colocamos todos os dias, agarradas à pele, e que nos permitem retardar ou dissimular o confronto com a realidade, connosco mesmo(a)s, com os outros, quando sabemos que Vénus e Marte estão em chamas há muito tempo.
Continuamos ainda um pouco anestesiados desta pandemia, no meio dos escombros, sobre ruínas, sob um véu de realidade mais ou menos aumentada que nos faz sonâmbulos, em direcção ao precipício. Interessa-nos sobreviver e isso não é necessariamente coisa pouca. A diferença é que agora estamos mais extenuados, abatidos, deprimidos, ansiosos, compondo Requiems para sonhos e de esperanças às avessas.
Máscara teatral, do 'prosopon' grego ao 'kabuki' japonês, a máscara foi colocada sobre o rosto, escondendo-o, travando o gesto, o congelamento da expressão emocional.
Todos nós temos máscaras sociais, para dar conta de situações diversas. Às vezes tornamo-nos caricaturas de nós mesmo(a)s, e usamos a mesma máscara anos a fio, sem ao menos as reciclarmos ou passarmos um pano sobre o pó acumulado.
Posso talvez usar esta comparação para falar das máscaras sociais que usamos na vida (essencialmente para nos protegermos), naturalmente, mas que nem por isso significam elas, as máscaras, que sejamos “mesmo” nós, ou aquilo que costumamos designar de “Eu Real”. Em público coloca-se uma máscara. Para cobrir as “falhas”. Mas quando estamos sós ela cai... e é aí que as nossas “guerras frias” começam.
Porque é que, para mim, a intervenção psicológica é a via por excelência para o desenvolvimento pessoal e para a mudança interna efectiva? Bem, ler sobre o funcionamento das emoções é excelente para compreendê-las racionalmente, mas é bem diferente de vivenciar a emoção, sentir, entrar em contacto com elas e promover profundas mudanças na vida. E há coisas que não se resolvem sozinhas. Algumas vezes, é preciso alguém especializado para nos ajudar a ver os nossos pontos cegos.
Meditar é óptimo, yoga é fantástico, qualquer outra actividade de interacção social ou de “catarses” em grupo também, mas é no “outro” que realmente nos espelhamos, em especial um “outro” perante o qual as nossas máscaras sociais poderão - num espaço seguro por excelência - cair. Através de um processo de psicoterapia, as pessoas encontram um espaço-tempo diferente, de promoção efectiva da sua liberdade e identidade, através dessa particular relação terapêutica, em que o paciente se sentirá, progressivamente, aceite naquilo que é. E, assim, realiza-se a passagem consistente do estado de personagem a pessoa real. A vida torna-se, enfim, bastante mais alegre e animada, simplesmente porque a vida verdadeira tem todas as condições para ser isso mesmo.
As máscaras (inclusive, as máscaras na pandemia…) são criadas pelas pessoas com o desejo de se defenderem. Ou seja, a pessoa esconde-se e mostra uma máscara que, supõe, evitará ameaças/punições e/ou lhe trará recompensas. Só há um “pequeno problema”. É que para as pessoas que dizem querer ter uma vida mais espontânea e autêntica, continuar a recorrer a máscaras só as tornará mais vulneráveis e inseguras, mais dependentes da opinião alheia.
Está na hora de ressignificarmos a importância que atribuímos às “máscaras sociais” que nos chegam de fora e começarmos a dirigir a nossa atenção para o foco principal.
Só um "louco" aceita ser ele(a) mesmo(a), com as suas qualidades e defeitos. Só um “louco” aceita o risco de ser avaliado pelo que realmente é. Sendo assim, quem desenvolve um senso de si demasiado ajustado aos padrões que lhe são impostos de fora terá mais dificuldades em romper com as máscaras. Pelo contrário, quem desenvolve o seu verdadeiro “Eu” tem necessariamente menos dificuldades nesta tarefa.
À medida que nos vamos descobrindo e assumindo a nossa verdadeira identidade, vamos também apercebendo-nos dolorosamente das pessoas que gostam de uma versão de nós apreciada por elas mas que não gostam do nosso Eu verdadeiro.
Algumas pessoas costumam perguntar-me sobre o que seria uma sessão de terapia bem aproveitada? Depende, pois existem sessões de revelações intensas, outras de abertura de questionamentos, algumas de desenvolvimento de raciocínio, até aquelas de catarse emocional intensa, e (porque não) aquelas que superficialmente não trazem nenhum conteúdo novo à tona, mas que têm uma força de preparação e latência para uma futura sessão. Cada uma delas tem uma sensação final típica, ora com mais tensão, ora com mais relaxamento. Mas acima de tudo, esta: "isto mexeu comigo"...
Por outro lado, uma sessão pouco aproveitada costuma vir de uma sequência de assuntos aleatórios, superficiais, meramente narrativos, sem haver nenhuma intervenção significativa ou também sessões nas quais existe uma postura palpiteira e até meramente moralista ou julgadora do terapeuta.
Então, basicamente, no que é que uma boa psicoterapia o(a) pode ajudar? Deixo aqui uma lista que talvez lhe seja útil:
- cuidar de algum tipo de perturbação mental (depressão, ansiedade, fobia, etc.);
- superar um trauma, uma questão do passado ou até problemas em potencial do futuro;
- abrir temas ligados à sexualidade e vida amorosa;
- expressar bloqueios ligados à vida profissional ou financeira;
- melhorar um comportamento que cause significativo sofrimento emocional para si ou os outros;
- problemas de personalidade;
- levantar questionamentos existenciais.
- entre outros!
Na nossa cultura, existe um tabu quase intransponível em matéria de intimidade. Recorremos com frequência ao velho jargão do "não tenho nada, está tudo bem". Mesmo quando algo desaba sobre a nossa cabeça. Sabemos que é inútil apelar para a velha desculpa de que "as respostas estão dentro de mim, isso é coisa que resolvo comigo mesmo".
Com certeza, as respostas estão dentro de cada um(a), mas na maioria das vezes, num quarto escuro, fica difícil achar a maçaneta da porta de saída...
Sem as perguntas colocadas no momento certo as respostas não surgem.
Sejamos francos, não está tudo bem. E se vamos todos ficar bem? Bom! Esperemos que sim, mas para já não é essa a realidade para muitas pessoas e em muitos contextos. A OMS alertou que o maior impacto da pandemia será na saúde mental. Sabendo disso, mais do que nunca será fundamental estarmos preparados, para o nosso bem e da sociedade.
Para muitos de nós, o processo de endurecer os nossos corações sacrificou a nossa sensibilidade, aquela leveza de criança. Ficamos "cascudos" para nos escondermos do mundo, mas agora, na vida adulta, de que vale continuar a tropeçar na própria carapaça ou asfixiar-se na própria máscara?
Diante do rebuliço de obrigações, responsabilidades e limitações, existe sempre no ser humano uma tentativa de sobreviver na busca pela adaptação. E em época de distracções, restrições, confusões e outras 'complicações', é imperativo buscarmos o equilíbrio entre aquilo que queremos e o que querem de nós. Caso contrário, estaremos eternamente estagnados e aprisionados nas nossas próprias máscaras.
Caríssima pessoa, ousadia não é pintar-se de Joker no Halloween ou mostrar a “bunda” no Carnaval… Ousadia, nesta vida, é chegar a ser quem se é, estando disposto a “pagar o preço” por todas as escolhas que fazemos. É difícil mas vale a pena, garantidamente. Porque quem “ousa” Ser, descobrir-se e viver (até aí apenas se sobrevive) adquire um sentimento profundo, estabilizador e delicioso de autenticidade, prazer, satisfação e de realização pessoal.
Sermos nós mesmo(a)s também nos traz uma capacidade única de respirar, caminhar, sentir, escolher, contribuir e viver em liberdade. Nem por acaso, e fisiologicamente falando, todos eles assentes no quarteto maravilha, os ‘fab four’ da saúde (física e mental), composto pela bioquímica infalível da felicidade e do bem-estar: serotonina, endorfina, dopamina e oxitocina. Em resumo: o antídoto contra a maioria das perturbações mentais mais comuns.
Os confinamentos Covid-19 podem durar meses. Mas, acredite, há confinamentos bem piores e que podem durar anos ou uma vida inteira: os confinamentos internos.
Ampliando os horizontes, respirando outros ares, reconstruindo canais ou criando novas passagens dentro de nós, vamos abrindo espaço para que renovadas realidades surjam. E acima de tudo começamos a perceber aliados onde antes só havia inimigos, sem oposição.
Simples? Sim.
Fácil? Não.
Possível? Talvez.
Recompensador? Sempre.
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