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Opinião

O senhor dos póneis

Ter pavor daquilo que se quer muito. Querer e temer no mesmo segundo. Conheço ainda como é estar no interior dessa coincidência excitante. Vejo o senhor dos póneis ao fim da noite, na feira vazia. “Última volta, meninos e meninas! Última volta!”

Passou tempo suficiente para que à Lisboa onde vivi se sobrepusesse outra cidade. Carl Jung referiu-se aos “acontecimentos interiores” como aqueles que compunham o mito da sua vida. Não importa se são ou não verdade, mas que “o meu conto” seja “maravilhoso”. Poucas vezes sinto tanta estranheza quanto passeando de carro ou a pé pela Lisboa de hoje. A cidade é outra. Nada resta das ruas senão o contorno do mito.

Cruzo de raspão uma das esquinas da antiga Feira Popular, em Entrecampos. Lembra-me as tardes que ali passei em criança, a andar nos póneis. Era o que eu mais queria na vida. Pagava-se uma moeda e os miúdos montavam os póneis mais tristes do mundo, acorrentados e dispostos num círculo lúgubre. O senhor dos póneis accionava um mecanismo e os póneis cumpriam o calvário, andando à roda, palas nos olhos. Eu tinha medo da altura, uma vez em cima do pónei. Chorava que me pusessem no chão. Mas era um chorar de que ainda me lembro, o de querer muito uma coisa ao mesmo tempo que se tem medo dela. Já não há Feira Popular, ou póneis, ou as pessoas que me punham em cima deles — constato, hoje, em Entrecampos. Mas, como em inúmeros momentos daquele mito, a verdade é vencida pela fantasia.

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