Opinião

Recusar mais do mesmo

Recusar mais do mesmo

Carla Castelo

Presidente da Assembleia Geral da Associação Evoluir Oeiras e vereadora da Câmara Municipal

É preciso repensar o modelo das negociações internacionais para combater as alterações climáticas e a própria forma de lidar com o problema. Mais do mesmo não é opção, quando já tanta gente, nos países que menos contribuíram para esta crise, está a sofrer as consequências de um modelo profundamente desequilibrado. Um artigo da presidente da Evoluir Oeiras Associação e vereadora da Câmara Municipal Carla Castelo

Como jornalista, acompanhei várias Conferências do Clima, entre as quais a COP25 (25ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas), que se realizou em Madrid em 2019. Depois de um ano de interregno devido à pandemia, decorre agora uma nova COP, a 26ª em Glasgow.

Confesso que, há muitos anos, me questiono sobre a importância destes grandes eventos, tantas vezes apelidados de decisivos nas vésperas e nas semanas em que ocorrem.

O seu gigantismo, rituais e toda a encenação nos pavilhões que rodeiam as salas das negociações e plenários, ultimamente acentuado com patrocínios de marcas ligadas sobretudo às indústrias que mantêm o problema, tende a obscurecer o trabalho das entidades e movimentos da sociedade civil verdadeiramente interessados em resolvê-lo.

Em tantas décadas de negociações políticas internacionais, continuamos a agravar a crise climática e a marcar passo nas medidas efetivas de mitigação e adaptação a nível global e local. Sim, o problema é global, mas também tem de ser tratado ao nível nacional e local, desde logo com políticas que reduzam a utilização de combustíveis fósseis, a produção de resíduos e o desperdício.

Apesar de todos os alarmes para acordarmos, continuamos a dormir, no mesmo lugar de negação e impasse (nomeadamente no campo da diplomacia ambiental no seio da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas e do Acordo de Paris), sem dar a devida importância e sem fazer o debate que realmente importa sobre as raízes profundas da crise global do ambiente e da crise de desigualdade: a procura de um crescimento económico ilimitado numa economia globalizada e grandemente desregulada, da lei do mais forte. Sabemos que “se continuamos a fazer o mesmo, não poderemos esperar resultados diferentes”.

Quando Greta Thunberg fala do blá-blá-blá e das lideranças que (nos) têm falhado perante a urgência das medidas, pondo em risco a estabilidade do clima, essencial para o bem-estar de milhões de pessoas, tem toda a razão. Infelizmente, a maioria das pessoas continua a pensar que o problema se há de resolver lá para 2050, como se o discurso da neutralidade climática fosse suficiente para que, na prática, a mudança aconteça.

Este tipo de pensamento mágico é tão nocivo como a narrativa segundo a qual quem não aceita que a crise climática se resolve com inovações tecnológicas milagrosas e alterações incrementais no sistema energético é ambientalista radical, que aguça os negacionismos, e que temos todos é de nos manter caladinhos, aceitando o adiar das soluções, e engolindo o greenwashing de autarcas, governos e empresas que, afinal, querem manter tudo na mesma.

No palco da política e diplomacia internacionais, ou no palco da política local e de proximidade, a ação urgente não pode continuar a ser apenas da boca para fora. O jornalismo tem a obrigação de denunciar as censuráveis contradições entre as intenções e as ações de governos nacionais e locais, e de grandes empresas e instituições. A responsabilidade de resolver sozinha o problema não pode ser colocada nas mãos da população, nos tão falados “pequenos gestos individuais”. Sem regulação e políticas sérias de combate às mudanças climáticas, cada pessoa fará o que lhe parecer mais vantajoso para si, no curto médio prazo, para a sua carteira ou para o seu conforto.

Mas a cidadania tem o poder de pressionar para que as ações desses líderes políticos e económicos sejam coerentes com o discurso e tomem as medidas necessárias para que não paguemos muito mais caro mais tarde. Ninguém pode assumir uma posição de cumplicidade passiva perante a gravidade desta crise para os mais vulneráveis habitantes do Planeta.

Em vésperas do segmento de alto nível da COP26, que se realiza em Glasgow, na Escócia, e que acompanharei à distância, agora apenas como cidadã, não posso deixar de pensar que terá de haver uma outra forma de lidar com este problema, se não quisermos que as gerações futuras paguem as consequências da inação política do presente.

Essa nova forma de lidar com esta crise poderá passar, por exemplo, pela proposta “Um Sistema Terrestre, um Património Comum, um Pacto Global” de Paulo Magalhães, da Casa Comum da Humanidade, por uma nova ordem jurídica internacional, pela criação de direitos ecológicos, e pela consagração do ambiente e de um clima estável como direitos humanos. Mais do mesmo é que não pode ser.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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