Opinião

É falso que a reforma das Ordens seja imposta pela União Europeia

É falso que a reforma das Ordens seja imposta pela União Europeia

Luís Menezes Leitão

Bastonário da Ordem dos Advogados

Bastonário da Ordem dos Advogados reage às declarações do secretário de Estado Tiago Antunes ao Expresso e desmente que a reforma das ordens profissionais seja uma imposição de Bruxelas

No Expresso do passado sábado surge um artigo com o título: "Socialistas enfrentam as Ordens. Reforma vale 2,4 mil milhões". O título dá desde logo que pensar, sabendo-se que o Partido Socialista tem 108 deputados no Parlamento e governa sozinho em Portugal, pelo que tem um poder incomensuravelmente superior a qualquer uma ou mesmo a todas as Ordens Profissionais em conjunto. Seria como se o Expresso escrevesse que Golias enfrenta David. Mas para o Governo são as Ordens Profissionais que ameaçam a Assembleia, tendo por isso o Governo que "vir em seu socorro - com armas carregadas". O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro já veio dizer que as críticas "só podem resultar de grande equívoco" porque "não quer acreditar em má fé". E chama a atenção para que esta é "uma das 34 medidas decisivas para Portugal continuar a receber o dinheiro a fundo perdido da 'bazuca'", o que será igualmente uma "arma para convencer os partidos a apoiar a reforma". As Ordens Profissionais são assim os inimigos declarados nesta "guerra adiada aos 'poderes fácticos'", pelo que serão naturalmente abatidas sem piedade pelos rockets disparados pelo Governo, agora que dispõe de uma bazuca.

No artigo o Governo não esclarece como é que a Reforma vale 2,4 mil milhões, que compromissos assumiu com Bruxelas relativamente à reforma das Ordens, em que medida há transferências financeiras condicionadas a essa reforma e de quem foi a iniciativa desse condicionamento. E seria ainda importante saber-se onde vai ser aplicado esse montante e a favor de quem, pois seguramente não será a favor dos Advogados. A estes, o Governo recusou-se a conceder qualquer apoio durante a pandemia, e continua sem atualizar a remuneração dos que trabalham no acesso ao Direito. Agora o Governo diz que vai instituir a remuneração dos advogados-estagiários, mas cabe perguntar-lhe por que razão não deu qualquer apoio aos Advogados e os abandonou durante o período mais negro que provavelmente a Advocacia atravessou desde a fundação da Ordem dos Advogados desde1926.

Em qualquer caso, é falso que a reforma das Ordens seja imposta pela União Europeia. Não há nenhuma Directiva Europeia que imponha esta reforma, sendo que a Directiva 2018/958/UE, que determina a realização de um teste de proporcionalidade antes da aprovação de nova regulamentação das profissões, já foi transposta pela Lei 2/2021, de 21 de Janeiro. O Governo faz referência aos relatórios da OCDE e da Autoridade da Concorrência, mas os mesmos constituem meras recomendações, deles não resultando qualquer obrigação para o Estado Português.

Em relação às Ordens dos Advogados não há nada de semelhante a estas propostas em nenhum país da Europa. Os estágios não têm a duração de um ano, variando entre dezoito meses e dois anos na maioria dos países, e sendo os órgãos das Ordens livremente eleitos pelos seus pares sem quaisquer interferências externas. Não parece por isso que passasse pela cabeça de nenhum Governo europeu reduzir a formação dos Advogados e muito menos colocar um órgão de supervisão com pessoas estranhas à Advocacia e um provedor com origem governamental a exercer supervisão sobre os órgãos eleitos pelos Advogados. E se o quisesse fazer, não sei que resposta seria dada pela oposição e pela sociedade civil a essa iniciativa.

As notícias vindas a lume garantem, no entanto, que o PS vai ter apoios das outras bancadas para este ataque às Ordens, pelo que a sua aprovação está assegurada. Os Advogados portugueses saberão, porém, resistir a este ataque, assim como resistiram durante o Estado Novo à tentativa de transformação da Ordem dos Advogados num sindicato integrado num sistema corporativo, tendo, pelo contrário, a Ordem dos Advogados estado sempre ao lado dos grandes Advogados que se bateram contra a Ditadura. Imagine-se o que teria sido desses Advogados se o governo salazarista tivesse colocado a sua jurisdição disciplinar a ser exercida por não Advogados da sua confiança. Mas os Advogados portugueses de hoje, que são profissionais livres e independentes, e que elegem livremente os seus representantes, saberão resistir a esta iniciativa, mesmo que o façam sozinhos contra a maioria do Parlamento. Como se diz na Trova do vento que passa: "Mesmo na noite mais triste, em tempo de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não".

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