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Opinião

Rangel meteu os inimigos no armário

Não sei se Paulo Rangel tem ou não hipóteses de ganhar o PSD, sei que agora tem a hipótese de ter hipóteses. Já o partido continua o mesmo ringue de há quatro anos

Um dia isto não será título de notícia. Um dia isto não será sequer notícia. Um dia não será preciso tornar pública a vida privada para previamente desmantelar chantagens da sordidez política. Espero que os canalhas que andaram a guardar videozinhos e violações contra Paulo Rangel se reúnam em comité de crise e escorreguem no sabão da sua própria mesquinhez. São estes que estão fechados no armário, na caverna pérfida da sua escuridão. Rangel segue o seu caminho.

Interessa-me zero falar da vida pessoal de Paulo Rangel, interessa-me muito falar da vida política portuguesa. Paulo Rangel está a preparar uma candidatura à liderança do PSD em 2022 e, com esta entrevista à SIC, tirou da cartola de outros o coelho que eles supunham aziago: a sua sexualidade. Mas esta não é a primeira vez que Rangel prepara uma candidatura ao PSD. Em 2017, preparou outra. Desistiu à última hora. Rio, favorito, ganhou o partido.

Não preciso de explicar hoje a desistência que ele não quis justificar em 2017. Basta-me citar o que eu próprio escrevi no Expresso nesse dia de outubro de 2017, no texto “Quem tem medo de Rio”:

“Há duas formas de impor respeito: pelo valor ou pelo medo. Rui Rio prepara-se para ganhar o PSD pelo medo. Numa questão de horas, Luís Montenegro e Paulo Rangel desistiram, líderes de distritais viraram apoios e até meio passismo enfileirou no carreiro Rio. É bom que se saiba: Rangel podia ganhar e, mesmo sabendo-o, abdicou, sucumbindo à ostracização política e à inglória no partido. (…) Em 48 horas, Rangel tinha equipa (incluindo Pedro Duarte), tinha apoios operacionais (incluindo Marco António e Relvas), tinha apoios de distritais, tinha o que nunca tinha tido e provavelmente nunca mais vai ter: hipótese de ganhar. Desistiu por razões pessoais, que são as únicas que não devem ser questionadas. Desistiu para acabar insultado pelos que o queriam. Desistiu depois de anúncios de campanhas sujas. (…)”

Sem candidatura, não houve campanhas sujas. Não se sabe de quem seriam, sabe-se contra quem. Até que, quatro anos volvidos, a preparação de uma nova candidatura lá coincidiu com a publicação anónima um videozinho a bordejar a infâmia, mas felizmente inútil. Agora, antes das autárquicas e da sua própria provável candidatura ao PSD, Rangel decide dar uma entrevista e matar um tema que nunca deveria nascer. Porque o fez hoje e não há quatro anos? Por razões pessoais que ele próprio explica na entrevista à SIC. O que um dia não será notícia ainda tem de sê-lo.

Não sei se Paulo Rangel tem ou não hipóteses de ganhar o PSD, sei que agora tem a hipótese de ter hipóteses. Já o partido continua o mesmo ringue de há quatro anos. Outro excerto do mesmo texto de 2017.

“Rui Rio, conhece? É um homem perigoso para quem o critica, se ganhar fará uma razia total de cabeças no PSD, recolocará o partido no centro ideológico, decidirá com máquina de calcular no bolso mas terá de mostrar se tem visão tamanha ou tacanha. É o senhor que se segue num partido que segue em autodestruição há década e meia. Sim, o PSD tem mostrado o que vale, vale pouco mais do que os jogos de poder daqueles que, subindo na hierarquia, fazem descer o partido.”

Infelizmente, a paz não regressou ao PSD e Rui Rio não teve o apoio interno que a vitória no partido exigia. Mas talvez Paulo Rangel tenha mudado hoje alguma coisa. E se alguns richelieus têm mais videozinhos na cartola, espero que agora os apaguem. Mesmo que isso signifique que assim se apagam a si mesmos, os que só têm préstimo na lama. Não se perde nada. Não se pede muito.

O dia em que a sexualidade de alguém não será notícia depende de notícias entretanto publicadas, cuja sucessão banalizará o tema. Mas se é cada vez mais indiferente para todos os que ouvem, é uma provável violência para cada um que diz. Porque ninguém tem de ter a necessidade de falar da sua intimidade. Não há interesse público, nem sequer há interesse privado, na sexualidade de alguém. O dia em que isso não será notícia está mais perto porque a sociedade está mais madura, mais aberta, mais crescida. Golpes palacianos nos partidos serão sempre notícia. A sexualidade de um político não. E um dia não será preciso escrever sobre isto textos de opinião.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: psg@expresso.impresa.pt

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