A decisão revelada pelo magistrado Ivo Rosa sobre o processo que envolve José Sócrates foi um momento negro na reputação da justiça portuguesa. Não pelo resultado para as pessoas que só ontem descobriram se vão a tribunal ou não. Todos eles têm razões de queixa por terem passado tantos anos à espera. Alguns viram chegar ao fim um episódio negro na sua vida, como Ricardo Salgado. Outros ainda vão ter de viver com a incerteza durante mais anos, como José Sócrates. Mas quem saiu muito mal, e já, foi a reputação da justiça, começando no juiz individual, passando pelo Ministério Público e pelo processo judicial, e acabando no clima de corrupção no país.
Começando pelo mais pequeno, o juiz Ivo Rosa. Se a sua opinião fizesse jurisprudência, imagine que na conta bancária de um cidadão português aparecem hoje um milhão de euros. Imagine também que ele não declara este rendimento ao Fisco. As finanças, numa investigação, descobrem o movimento e o ministério público põe a pessoa em tribunal por fuga aos impostos. A pessoa pode então aplicar a “defesa Rosa”: o milhão é resultado de uma ocasião em que ela foi corrompida há quinze anos. Manteve o dinheiro debaixo do colchão estes anos e pôs agora na conta. Como o crime de corrupção já prescreveu, não pode ser julgado por ele. Como, de acordo com Ivo Rosa, um criminoso não tem de declarar aos impostos os rendimentos provenientes do crime, não há evasão fiscal até porque não há linha no boletim do IRS onde possa escrever “rendimentos com origem criminosa” para se aplicar a taxa correta. É um argumento logicamente engraçado para um exame de direito. Aplicá-lo num julgamento concreto é absurdo. Tem consequência aterradoras para o julgamento de crimes fiscais. Ficou mal visto o juiz Ivo Rosa.
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