Opinião

Uma conferência sobre o presente da Europa

José Conde Rodrigues

Ao querer discutir mais uma vez o futuro, e não a melhorar a execução do presente, a anunciada Conferência Sobre o Futuro da Europa não será mais do que um conto infantil, onde os europeus voltarão a ser tratados como crianças, aos quais se propõe um novo sonho, e não cidadãos livres e responsáveis, a quem se oferecem soluções razoáveis para o seu bem-estar, afirma o presidente do Movimento Europeu em Portugal, o advogado José Conde Rodrigues

Através de uma declaração conjunta, os Presidentes do Conselho, do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia anunciaram, recentemente, uma Conferência sobre o Futuro da Europa, a iniciar no próximo dia 9 de maio (dia da Europa). Essa Conferência terá como objetivo promover o debate com os cidadãos fora da bolha das instituições europeias. A União Europeia quer ainda assegurar, com esta iniciativa, que desses debates resultam propostas concretas para o seu futuro, comprometendo-se a incorporá-las nas respetivas conclusões.

Enfim, mais do mesmo, pois um dos grandes problemas da Europa é querer sempre inventar, construir um futuro. Nunca lhe basta que este seja a continuação do presente, ainda que melhorado. É certo, que é sempre mais fácil discutir o que ainda não existe, discutir o futuro (agora muitos também se entretêm a reescrever o passado). Quando o essencial será assumir a responsabilidade pelo presente e a urgente resolução dos seus problemas, deixando de lado a utopia. E, a não ser que, por qualquer razão ainda desconhecida o mundo acabe, a Europa terá sempre um futuro.

Não que devamos abdicar da esperança, não que possamos desistir de olhar em frente, de olhar para o alto e mergulhemos apenas no chão raso da temporalidade do dia a dia. Porém, a Europa precisa de deixar de viver na promessa permanente de um futuro risonho e concentrar-se na consolidação do que já adquiriu. A Europa deve evitar a contínua fuga em frente, logo que aparece mais uma crise. Tentar sempre escapar ao clamor de presente, construindo uma qualquer realidade alternativa.

Ou seja, a Europa deverá discutir o presente e o modo como este pode ser melhorado: o reforço da segurança geoestratégica, a regulação do uso das novas tecnologias, o combate aos fundamentalismos, a defesa do pluralismo e da liberdade de expressão, a regulação das migrações, o regresso da autonomia logística e industrial, a harmonização da tributação direta das empresas, são apenas alguns dos encargos que podem e devem ser objeto dessa discussão sobre o presente.

Afinal de contas, o debate que interessa aos europeus é simples: como conservar o que está bem no modo de vida europeu e ocidental. Ou, como já então defendia Winston Churchill, a 7 de maio de 1948, no famoso Congresso de Haia sobre Uma Europa Unida, é que tenhamos uma Europa em que homens e mulheres de todos os países deem a mesma importância ao facto de serem europeus como ao facto de pertencerem ao seu torrão natal e em que para toda a parte que forem nesse vasto domínio possam pensar verdadeiramente: ´Aqui estou em minha casa´.

E se, com a crise de 2008-2012, muitos pensaram que os políticos europeus deixariam de fazer promessas de um futuro radiante para todos, independentemente da limitação dos recursos disponíveis, a recorrente escolha de líderes fracos, sem carisma, para as instituições europeias, não tem ajudado mudar essa forma de fazer política e a fortalecer essas mesmas instituições e a execução eficaz das suas tarefas.

Mais, se em velocidade de cruzeiro a escolha de líderes fracos não é grave, em situação de crise torna-se fatal para o nosso destino comum. É, infelizmente, o que se constata atualmente, quando se anunciam “bazucas” de investimento ou planos de vacinação, sucessivamente atrasados, por ficarem submersos na tecnoburocracia europeia.

Ora, ao querer discutir mais uma vez o futuro, ao não querer melhorar a execução do presente, a anunciada Conferência não será mais do que um conto infantil, onde os europeus voltarão a ser tratados como crianças, aos quais se propõe um novo sonho, e não cidadãos livres e responsáveis a quem se oferecem soluções razoáveis para o seu bem-estar.

Em suma, se não podemos saber o que o futuro nos reserva, aproveitemos para discutir e melhorar o presente, pois, quando chegar o tempo que há de vir, o mundo já terá testemunhado a passagem de muitos bandos de cisnes negros.

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