Vamos navegando entre políticos radicais e outros que são radicalmente incompetentes, entre epidemiologistas a mandar em Portugal a sonharmos com vitaminas ou aspirinas. Pobre País!
O radicalismo avança por todo o lado
Tenho estado a ler o último livro de Anne Applebaum, “Twilight of Democracy – The Failure of Democracy and the Parting of Friends”.
É um livro a muitos títulos fascinante, sobre o que a autora considera ser o crepúsculo da Democracia, não apenas na Polónia (que ela é conhece muito bem, é norte americana e casada com um importante político de Centro polaco) e na Hungria, mas também em muitos outros países, com políticos radicais de Direita ou de Esquerda.
O livro é também a história de jovens que lutaram e ajudaram a derrotar o comunismo há 30 anos, e que agora se dividem entre os que se mantiveram moderados e os que se radicalizaram e são quadros relevantes das democracias iliberais a Leste.
Dito isto, quero juntar algumas imagens muito recentes (não frequento redes sociais, mas dizem-me que nesse mundo há muitíssimo pior) que podiam estar no livro, antes de passar adiante.
Comecemos à esquerda:
"O 25 de abril de 1974 não foi uma revolução, foi uma festa. Devia ter havido sangue, devia ter havido mortos,"
"Os florões são, como bem demonstra Francisco Bethencourt em História da Expansão Portuguesa, uma invenção tardia semelhante ao mamarracho do Padrão dos Descobrimentos... Mesmo o Padrão, num país respeitável, devia ter sido destruído."
Em Espanha, acossado por processos crime, o Vice-Primeiro Ministro Pablo Iglesias pede «elementos de control» sobre os meios de comunicação social, mas nada diz do tal famoso rapper catalão que em palco disse (e por isso foi condenado) o que consta da gravação que vão ouvir:

Nesta curta lista estão representados um Vice-Presidente do Governo Espanhol, um muito destacado deputado e dirigente do PS, a líder parlamentar do PAN.
Do lado oposto, tivemos textos semelhantes ao longo de 2020, de Trump, Bolsonaro, Ventura (que tem andado mais calmo…) e por esse mundo fora, pérolas equivalentes.
Aqui vai um exemplo recente, o pedido de expulsão de alguém que é português:
E outro de uma perturbação por neonazis e racistas, segundo refere o Público, de um evento antirracista no Liceu Camões:
Como é óbvio, para mim a liberdade de expressão é essencial (o caso do rapper é matéria criminal, como é evidente), e as sociedades livres como a nossa também o são por saberem viver com isso.
Mas o que me perturba é ver que o discurso radical, populista, extremista, repleto de ódio, de vingança e de primarismo, cada vez penetra mais em áreas políticas que eram moderadas e têm responsabilidade, e que desse modo se acentuem reações idênticas de polos opostos.
Quem escreve, fala e pensa assim, representará 10% à Direita e 15% à Esquerda (e acredito mesmo que muitos desses que apoiam os radicais se não revejam neste tipo de atuação).
É muito. Mas 75% dos portugueses não se revêm em nada disto e até acredito que fiquem horrorizados.
Infelizmente, a generalidade dos dirigentes partidários e dos intelectuais de cada lado, costumam ser rápidos e eficazes a reagir aos radicalismos que vêm ao longe e receiam criticar os da porta ao lado.
Com essa cobardia e pusilanimidade generalizadas, estamos a deixar que se possa repetir a tragédia da República de Weimar (e de tantas outras…) que terminou às mãos de Hitler, o nazi, como poderia ter terminado às mãos de Rosa Luxemburgo, a comunista, se fosse aquele e não esta a ser assassinado.
Exigem-se, pois, “cordões sanitários” políticos e tolerância zero para quem fala e escreve assim. Devem ter o direito de o fazer, mas não devem ser aceites cobardemente pelos outros e ainda menos premiados.
É preciso que o Presidente da República e os líderes dos partidos moderados tirem as consequências, em vez de os apaparicar. Como, por exemplo, fez o Governo ao nomear Mamadou Ba (o da “bosta da bófia” e da “morte do homem branco”) para o “Grupo de Trabalho para a Prevenção e o Combate ao Racismo e à Discriminação”.
Continuem assim e depois não se admirem do que vier a seguir.
Rui Rio ou a incompetência radical
Devemos ser inclementes com os radicalismos.
Mas também há a questão da incompetência radical, que não devia ser tolerada na política. O caso mais exemplar nestes dias é o de Rui Rio.
Na 5ª feira, deu uma entrevista ao Observador a propósito de ter atingido 3 anos de liderança do PSD.
Devia ter falado do que deseja para o País, dos valores que defende, apresentado alternativas ao PS (como se fosse líder da oposição devia fazer). Mas resolveu atacar com ferocidade autarcas: Rui Moreira (que é da mesma área política) por não ser “confiável” e, politicamente ainda mais absurdo, chamou “incompetente” a Carlos Carreiras, que é hoje em dia o líder da autarquia mais populosa detida pelo PSD.
Como se isso não bastasse, ainda não começou a saga das listas e já está a ser atacado duramente por dirigentes locais do PSD.
Como se ainda não fosse pouco, o PS veio na 4ª feira – mais vale tarde do que nunca – dizer que quer alterar a lei do cartel contra os candidatos independentes, que eu estigmatizara na véspera.
Esta lei tinha sido proposta pelo PSD e aprovada devido ao apoio do PS. O PSD ficou a falar sozinho; como aconteceu com a teoria peregrina de adiar as eleições autárquicas para o pino do Inverno.
Resta-me dar um conselho aos militantes do PSD: evitem passar à porta da sede do PSD. E se não puderem evitar,
cuidado se virem um camaroeiro a cair sobre eles, pois podem acabar a liderar o PSD. É que não tenho dúvida que os dias de Rio – e por sua culpa – estão contados.
O "lobby" epidemiologista
Depois de mais uma reunião do Infarmed, confirmou-se o que eu temia: o Governo e o Presidente da República cederam em toda a linha ao “lobby epidemiologista”, num exercício de passagem da responsabilidade para quando os portugueses lhes pedirem contas se correr mal.
O exemplo mais claro é que o desconfinamento só será viável quando não estejam mais de 200 pessoas nos Cuidados Intensivos (UCI) com Covid 19.
Ninguém se preocupou em averiguar que, com esse critério, Portugal deveria ter estado em confinamento total desde 22 de outubro, ou seja, durante 5 meses sem aulas (leiam a importante carta aberta hoje divulgada), sem passeios, sem convívio social mínimo, com a economia paralisada.
Em segundo lugar, ninguém se preocupou em referir que o número de mortos anda a volta de 10% dos internados em UCI, ou seja, que para desconfinar deve haver menos de 20 mortos diários. Uma morte é sempre a mais, mas qual a razão para os que morrem por Covid 19 serem mais relevantes do que os mortos por outras causas? E será que todo o sofrimento e consequências futuras são irrelevantes?
E, em terceiro lugar, como é possível que o Estado Português continue a testar muito pouco e a não fazer rastreio suficiente (no Infarmed foi dito que continuam a não saber nada sobre a origem de 80% das infeções) e por isso a manter como única alternativa a bomba atómica do confinamento?
Uma bazuca estragada?
Se não fosse grave dava vontade de rir. A Comissão Europeia exigiu que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a tal bazuca, fosse sujeito a debate público.
O Governo não podia recusar e por isso concedeu 15 dias para o debate de um documento que não pode ser debatido a sério: são 147 páginas maciças e em “economês”, sem nenhuns documentos de suporte, que uma análise séria exigiria, como é óbvio.
Quando se lê este texto, e uso opiniões de especialistas, nota-se entre outras coisas que:
a) É um catálogo de tudo o que o Estado tinha nas gavetas, que não investira no 1º mandato da “geringonça”, sem coerência nem lógica;
b) Esquece os setores essenciais para o emprego e a criação de riqueza mais afetados pelo Covid 19. Por exemplo:
(i) “Cultura”. O que existe é o seguinte:
Dinamizar a inclusão através do desporto, cultura e lazer (pág. 51)
O acesso à cultura e a criatividade e valorização da interculturalidade (pág. 58)
Plataforma para a produção cultural e indústrias criativas (pág. 64)
(ii) “Turismo”:
Programa de capacitação em tecnologias digitais que visa responder aos desafios e oportunidades de diversos setores empresariais nomeadamente indústria, comércio, serviços, turismo e agricultura;
(iii) “Restauração e Hotelaria”:
Nada
c) a iniciativa privada empresarial quase não é referida nem destinatária de recursos.
O PRR tem tudo para correr mal. Desejo que não, mas sinceramente não acredito. E, pior: não acredito que se fosse gerido por outro partido no poder corresse melhor…
O elogio
Desta vez vários elogios para o Governo/PS (devido à solução para fazer regressar portugueses do Brasil e pela atitude de rever a lei cartel para as autárquicas) e para o Presidente da República (pela forma equilibrada como colocou a questão da inconstitucionalidade dos casos mais graves de lei da eutanásia aprovada pela Assembleia da República).
Sobretudo louvável o Governo/PS ouvir as críticas, reconhecer ou emendar erros, o que não era habitual. Esperemos que passe a ser…
Ler é o melhor remédio
Sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em debate público até 1 de março, acho que devem ler muito e, entre outros,
a) o artigo de Helena Garrido (Observador) “Mais analgésico do que vitamina no PRR” e uma entrevista de Álvaro Beleza à revista “O Contabilista”, que fala de uma mera “aspirina”,
b) um texto no EcoOnline, de 17 de fevereiro, a resumir a posição das associações empresariais, com o título “PPR enviesado a favor do setor público”,
c) as declarações do Professor César das Neves e do Dr Bagão Felix no Sol e um texto da Professora Assunção Cristas no DN.
A pergunta sem resposta
Um telespectador tentou ler a minha sugestão da passada semana, o chamado “Relatório das Sevícias” sobre violências e torturas praticados em 1974 e 1975 pelo Estado, obra editada em novembro de 1976 em livro, pela Presidência da República e produzido por uma Comissão nomeada pelo Conselho da Revolução.
O livro esgotado, nunca foi reeditado, pelo que o tentou ler na biblioteca da Presidência da República. Enviou-me o documento que surge nos vossos écrans, que revela que existe, mas está classificado como “Secreto” e não pode ser consultado:
O atual Presidente nada tem a ver isso, mas para ele a pergunta: quando deixará de ser “Secreto”? E para quando uma reedição do livro pela Presidência da República?
A loucura mansa
Vou limitar-me a ler o que me foi enviado por um cidadão para esta secção (apenas retirei a referência aos centros de saúde), pelo que revela do pior espírito burocrático português:
“É um drama familiar que se inicia há cerca de 1 ano e meio. A minha irmã ficou doente (linfoma do sistema nervoso central), quando regressou a casa após os tratamentos necessitou de ajuda para as tarefas da casa. A minha mãe, residente em … e com 80 anos mas muito autónoma, tomou conta dessa situação e desde então vive em casa da filha. Este é o cenário.
Põe-se então a vacinação contra o SARS cov2 de que a minha mãe faz parte da 1ª fase pela idade. Tentei logo arranjar uma solução para que a vacinação pudesse ser efetuada em Lisboa e não em …. Contactados os dois centros de saúde em questão, …, foi-me dito que a solução seria a mudança de residência no cartão de cidadão. Esta também é uma loucura mansa, sujeitar uma pessoa de 80 anos a esta burocracia é desumano”.
Nem tudo é tão mau, mas continua confuso. Parece que agora o centro de saúde original acha que quando receber um sms pode dizer que está em Lisboa e vacinar-se lá. Já só falta haver sensatez idêntica na capital …
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