Ensino: as férias que ninguém quer
A continuação ou não da atividade letiva no ensino privado é a questão abordada pela diretora-geral da consultora AMP Associates
A continuação ou não da atividade letiva no ensino privado é a questão abordada pela diretora-geral da consultora AMP Associates
Vai para uma semana que a Madalena acorda e as suas primeiras palavras são “o Governo já decidiu?”. A Madalena tem 10 anos, é minha filha, e frequenta o ensino privado. A Madalena, que já esteve de quarentena e continuou a acompanhar as aulas da turma virtualmente, entende as razões que a trazem de novo para casa, mas não compreende porque é que, à semelhança de março, abril, maio e junho, não pode continuar o ensino online. Eu também não. Ou talvez não consiga explicar de forma realista a uma criança de 10 anos que, como muitas das crianças deste país, está ansiosa e angustiada pelos tempos que vivemos, assim como pelas razões desta decisão.
A proibição do ensino à distância que tem como justificação o Estado de Emergência covid -19. Além de duvidosa constitucionalidade, é incompreensível quer do ponto de vista sanitário quer pedagógico, e é um atentado à liberdade democrática para aqueles que querem continuar a ter acesso a aprender e ensinar, tal como previsto na Constituição da República Portuguesa. No artigo 43º. pode ler-se que “o Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”.
A questão de fundo desta decisão não é se os privados podem ou não continuar a sua atividade letiva. Muitas escolas públicas, assim como os seus docentes, estão preparados e gostariam de dar continuidade ao ensino à distância já anteriormente praticado. A questão que urge esclarecer é porque é que, após meses de ensino virtual – público e privado –, o país e o seu ensino continuam a não estar preparados para retomar os métodos aplicados no primeiro confinamento, ao invés de serem confrontados com umas “férias forçadas”.
A resposta tem duas partes, uma ideológica e outra prática: o Governo parece considerar que uma decisão de forçar a proibição do ensino à distância servirá melhor o objetivo de nivelar o fosso entre estudantes mais e menos carenciados. No entanto, o Governo não conseguiu cumprir o compromisso de disponibilizar os recursos necessários – nomeadamente a entrega de 1,2 milhões de computadores – para que os alunos possam ter condições para aceder ao ensino que lhes é de direito.
Mas o incumprimento do Governo não pode justificar uma “tábua rasa” daqueles que querem e podem continuar o programa escolar e o alcance dos objetivos propostos alegando desigualdade. Desigualdade é eu pagar com os meus impostos o ensino em Portugal, por opção pagar do meu bolso um ensino alternativo e não ter direito a nenhum deles, tendo para tal uma justificação repleta de desonestidade política e ideológica, e que condiciona o acesso àquilo que nos devia ser garantido.
Os cidadãos e as instituições têm mais tolerância (e respeito) a acolher medidas que por muito duras que sejam favorecem a segurança do coletivo e até aos erros cometidos, mas muito pouca à falta de verdade ou egoísmos que se sobrepõem à missão de quem nos governa em momentos tão críticos, que é o de servir pelo bem comum.
A proibição do ensino à distância priva os alunos de uma aprendizagem que representa um retrocesso significativo da sua educação. Priva as criança de rotinas essenciais ao seu desenvolvimento e bem estar e equilíbrio emocional, potencia a necessidade de ocuparem o seu tempo fora de casa, abre espaço para serem parte cada vez mais integrante de uma “escravatura digital”, e sobrecarrega os pais, que necessitam, num quadro tão exigente, de ter condições mínimas para dar uma resposta adequada aos seus postos de trabalho.
Privar do ensino quem quer aprender não é uma escolha pela igualdade. É ideologia política. A mesma ideologia que foi aplicada na Saúde quando os Hospitais privados quiseram nesta pandemia ser parte da solução, num momento em que nem o SNS nem as estruturas privadas estavam no limite dramático que conhecemos hoje. Não tem como correr bem aplicar a mesma receita da Saúde à Educação .
O problema não está por isso no ensino privado. O problema reside na ausência de um planeamento estratégico e na coragem de reconhecer a necessidade de uma resposta mais eficiente e mais humana que não tente evitar que se exponham fragilidades políticas.
Como mãe e como cidadã de um sistema democrático, creio ser compreensível que ambicion,e dentro da imprevisibilidade que vivemos, conseguir ter uma resposta para os meus filhos que se estenda para lá de uma ou duas semanas. E creio também ser compreensível que possamos alimentar a esperança de que decisões erráticas não condicionem nem amputem os projetos que desejamos para as gerações que representarão o que neste país queremos ser, individual e coletivamente.
Sim, Madalena. O Governo já decidiu. Só não se percebe bem o quê. Por agora ficas de férias. Daqui a 15 dias logo se vê.
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