Opinião

TAP: a inevitabilidade de um chumbo

Vamos ser claros: o que está em causa com o plano de reestruturação da TAP não é salvar a companhia aérea, é sim, salvar o Partido Socialista. A “história de vida” do PS salta à vista em mais uma das habituais jogadas políticas em que António Costa é expert - desta vez ao pretender levar o plano de reestruturação da TAP à Assembleia da República e responsabilizar o Parlamento pela sua aprovação, ou não - pondo assim a nu a eterna lógica dos socialistas: sempre que a responsabilidade aumenta, a fraqueza do PS revela-se.

Pelo que se lê o governo já injetou 1.4 mil milhões na TAP e até agora, fê-lo sem sentir qualquer necessidade da aprovação da Assembleia da República. Mais: o governo pagou 55 milhões de euros para os acionistas privados saírem da companhia área, aliás, diga-se de passagem, um avultado cheque que ficará na história da aviação europeia como o mais bem pago na maior crise de que temos memória. Tanto numa como noutra situação, pouco importou ao governo a opinião dos deputados, a quem nunca “passou cartão” e a quem apresentou essas decisões como factos consumados. Mas agora que a TAP exige um rigoroso programa de austeridade, quando estão em causa milhares de despedimentos, reduções significativas de salários, entre outras medidas, então os socialistas já não dispensam o voto deputados.

Esta jogada primária e simplista tem como base uma lógica e raciocínio de, por um lado, “passa culpas”; e por outro de um desmesurado e egocêntrico autoelogio: “se chumbarem o plano, vamos apontar o dedo e acusar os vários partidos de irresponsabilidade; se o aprovarem seremos elevados ao Olimpo por termos resolvido um problema.”

Desde 2015 que António Costa "põe e dispõe” da TAP, sem se importar em validar junto do Parlamento o quer que seja. Não o fez quando, atabalhoadamente e porventura cedendo a exigências dos seus parceiros de geringonça, reverteu um negócio que, entre outras coisas, teria livrado os portugueses dos milhões de euros que agora todos teremos de pagar; não o fez quando pagou 55 milhões de euros a um acionista para sair do capital da TAP, na precisa altura em que, por toda a Europa, se assistia ao reforço de compromisso dos privados. Poderá parecer piada, mas infelizmente, para mal de todos nós, não o é: no mundo da aviação, o anterior acionista privado da TAP é o único que sai a ganhar com a crise pandémica que se abateu sobre o sector. Aliás, note-se, ainda hoje os portugueses não sabem ao abrigo de que avaliação ou disposição legal foi pago esse valor. Mas já sabem, isso sim, que terão que pagar perto de 2 mil milhões de euros caso o plano de restruturação seja aprovado…

Numa jogada habilidosa, António Costa quer agora colocar os deputados eleitos entre a espada e a parede. O que, além de revelar a ligeireza do ministro Pedro Nuno Santos, demonstra também a falta de coragem do governo e do próprio primeiro-ministro na hora da verdade, querendo transformar o Parlamento numa reunião geral de acionistas

Mas a desfaçatez do governo não fica por aqui: leva o plano de reestruturação ao Parlamento, depois do mesmo ter sido revelado em Bruxelas - o que mostra bem o desprezo que tem pela Assembleia da República, pelos deputados eleitos e principalmente por quem os elegeu.

Perante tal fuga às responsabilidades, em face destas habilidades primárias, os deputados, agora colocados entre “a espada e a parede”, ver-se-ão certamente obrigados a escolher “a espada”, de forma a fazerem-se respeitar e a dignificar a sua função, devolvendo assim a António Costa e ao seu governo a decisão que naturalmente lhes cabe e a que se quer, por todas as maneiras, furtar.

Miguel Relvas, 8 de dezembro

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