Opinião

Entrevistas que correm mal: falta de preparação do entrevistado ou a culpa é do mensageiro?

Entrevistas que correm mal: falta de preparação do entrevistado ou a culpa é do mensageiro?

Pedro Coelho dos Santos

Mestre em Guerra da Informação pela Academia Militar e especialista em Gestão de Crise Mediática

Uma entrevista a um órgão de comunicação social é um momento único para partilhar uma determinada mensagem com o público. Deve, por isso, ser encarada de forma muito séria: é imperativo definir a mensagem que se pretende transmitir, antecipar perguntas e testar respostas.

A propósito da recente entrevista ao jornal Expresso da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, dei por mim a refletir como a Comunicação continua a ser uma espécie de “parente pobre” da ação política. Como se valorizá-la representasse de alguma forma uma menosprezar a nobre atividade política, mas já voltaremos a esse particular.

Com este artigo de opinião não se pretende analisar o conteúdo da entrevista em questão, mas sim aproveitar a oportunidade para uma reflexão sobre a Comunicação e a ação política/governativa no nosso país. Tomar uma posição (que também a tenho, claro) sobre a polémica de uma eventual descontextualização por parte do jornal ou nível de preparação da entrevistada, não é o objetivo destas linhas que escrevo.

Não faltam exemplos – para quem se interessa por estes assuntos – de entrevistas que acabaram por ter um efeito muito diferente daquele que seria pretendido. Seja por má escolha da mensagem, respostas desgraçadas ou uma má interpretação e contextualização daquilo que foi dito (sim, estas últimas também podem acontecer).

Em vários casos o ruído que se seguiu a essas entrevistas causou grandes danos reputacionais aos entrevistados ou às Instituições que estes representam. E por vezes o resultado foi mesmo a demissão.

Como ex-jornalista e profissional na área da comunicação, no âmbito da qual exerci funções num gabinete ministerial, constato que muito pouco mudou ao longo das últimas duas décadas. Contrariamente àquilo que a generalidade das pessoas possa pensar, assumem-se cargos políticos e/ou governativos sem qualquer tipo de formação ou competências prévias na área da Comunicação.

Tal seria impensável em muitos países. Nos EUA, por exemplo, qualquer candidato a um lugar no Senado ou na Câmara dos Representantes, uma autarquia por pequena que seja, ou um qualquer membro do executivo federal terão feito vários media trainings ao longo da sua vida e jamais se atreveriam a assumir um dos cargos atrás referidos sem que tivessem feito tal tipo de formação e adquirido competências que lhes possibilitem comunicar de forma eficaz.

Neste país que escolhi como exemplo a Comunicação no âmbito da política e da ação governativa é encarada de forma muito séria. Poderia nomear vários outros países, vários deles europeus, onde não se brinca neste domínio.

Em Portugal, no entanto, grassa ainda um grande amadorismo a este nível. E o que origina este panorama?

Logo à partida o sentimento de que o político tem é de “fazer coisas” e que preocupar-se com a Comunicação significa que não tem qualquer conteúdo ou pensamento, expressões que ouço muito frequentemente por quem está na política. Para muitos, político que se preocupa em comunicar de forma eficaz é sinónimo de político oco e que na realidade tem pouco trabalho para apresentar.

Nada de mais errado. Na realidade, a Comunicação faz parte da sociedade contemporânea e da política moderna e não será novidade nenhuma afirmar que a política precisa da comunicação social – e serve-se desta! – para fazer chegar informação aos governados e aos eleitores.

Do mesmo modo que a comunicação social precisa da política e dos políticos como fonte noticiosa. Nesse sentido, política e comunicação social podem ter interesses (no bom sentido da palavra) diferentes, mas partilham um campo comum: a informação e a necessidade de a comunicar ao público.

Governar ou exercer um cargo político e comunicar de forma eficaz não são objetivos contraditórios e em nada diminuem aqueles que utilizam uma estratégia comunicacional para estar mais perto dos cidadãos. Não faltam, aliás, bons exemplos de políticos portugueses que não têm este complexo.

Já trabalhei, ao longo da minha vida profissional, com os dois tipos: aqueles que em nada valorizam a função Comunicação e aqueles que entendem que comunicar de forma ativa, planeada e permanente é uma mais-valia inquestionável para a sua atividade. Sem surpresa, os segundos obtêm habitualmente melhores resultados.

O nosso país tem um problema que se faz sentir também nesta área: o “achismo”. Toda a gente tem opinião sobre tudo e mais alguma coisa e a Comunicação não escapa a este fado nacional.

Os nossos políticos vêm das mais diversas áreas do conhecimento: direito, gestão, ciências internacionais, you name it. Mas todos eles tiraram um MBA em Comunicação, algo que curiosamente escondem dos seus currículos… estou naturalmente a ser irónico.

Já por diversas vezes fui convidado a aconselhar alguns políticos (mas não só). E muito frequentemente vem à baila o “eu acho que…” quando se está a definir uma estratégia de Comunicação.

Quando surge o malfadado “eu acho que…” é um sinal que está na hora de abalar. Pois se acham, então não precisam seguramente do conselho de especialistas na matéria, pelo que amigo não empata amigo.

Há em Portugal ótimos especialistas na área da Comunicação e muitos deles com provas dadas. Ainda assim, muitos acham que recorrer aos seus conselhos é um sinónimo de fraqueza e um sinal de malandrice programada.

Estes estão agarrados a estereótipos há muito ultrapassados, que acham que comunicar é manipular. Falta-lhes visão para o que verdadeiramente conta: comunicar de forma eficaz – utilizando um conjunto de estratégias, de canais e de mensagens - é fundamental para interagir com aqueles que nos rodeiam.

Um outro fator deve ser referido: a interação entre jornalistas experientes e políticos mal preparados é uma luta desigual. Os jornalistas têm treino para não serem meras caixas de ressonância dos políticos e ainda bem que assim é.

Mas são os primeiros interessados em proporcionar ao seu público informação atual e relevante. Essa informação não tem necessariamente que ser polémica ou escandalosa.

Tem, isso sim, de ser interessante para as pessoas. O que é também, curiosamente, um dos objetivos de um político: obter o entendimento e acolhimento do público.

As queixas sobre falta de ética e tendência especulativa dos jornalistas são frequentes. Não ignoremos que tal pode suceder, pois em todas as profissões há profissionais bons, assim-assim, maus e péssimos.

Mas isso daria tema para um outro artigo. Não é esse o objetivo deste, como por esta altura já perceberam os caros leitores.

A mensagem do entrevistado não foi suficientemente clara? As respostas deram azo a segundas interpretações? Revelou pouca empatia com os afetados por determinado problema? Usou o humor de forma infeliz? Desvalorizou algo que para as pessoas é importante?

Se a resposta a estas perguntas é sim, então não vai ficar bem. E de nada adianta vir depois culpar o mensageiro.

Terá duas opções: uma é continuar a achar que a Comunicação não é importante na política moderna. Nesse caso pode sempre ir tomar um drink de fim de tarde, não lhe faltará companhia.

A outra opção é a mais inteligente: perceber que, numa entrevista, a responsabilidade está sempre toda do lado do entrevistado. Com preparação, com profissionalismo, com recurso a bom aconselhamento, não há qualquer motivo para temer esta interação com os jornalistas e os órgãos de comunicação social.

Mestre em Guerra da Informação pela Academia Militar

Especialista em Gestão de Crise Mediática

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